Neblina na aposentadoria e nos juros


Indefinição sobre reforma de Bolsonaro é política e começa a inquietar donos do dinheiro

A mudança nas aposentadorias e nas pensões ainda não tem projeto definido porque Jair Bolsonaro ainda não se ocupou do assunto. Mesmo antes de chegar ao Congresso, a reforma da Previdência do próximo governo enfrenta problemas políticos.


O presidente eleito, Jair Bolsonaro, durante almoço com cantores sertanejos

A ala parlamentar bolsonarista diz o que quer sobre a Previdência porque simplesmente não recebeu diretrizes ou ordens do presidente eleito, que, por sua vez, diz nebulosidades preocupantes sobre a reforma porque dá ouvidos a seus articuladores políticos e "bases".

É o que se pode ouvir entre economistas do governo de transição de Bolsonaro. Políticos bolsonaristas e "bases", inclusive nas redes insociáveis, são refratários à mudança e não têm entendimento da crise que pode sobrevir caso a reforma vá para o vinagre ou seja muito aguada.

A inquietação entre negociantes de dinheiro e porta-vozes do mercado se espalha.

Por um lado, ouvem o presidente eleito e seus articuladores políticos dizerem em público que a reforma não pode ser dura, "matar idoso", que pode ser feita em até quatro anos, que não se pode bulir com servidores, que o Congresso vai desidratar qualquer plano de mudança etc.

Por outro lado, gente da futura equipe econômica trata do assunto em conversas informais com conhecidos na praça. Dentro do governo de transição, sentem a mesma indisposição reformista do entorno político imediato do presidente eleito.

Acreditam, porém, que tais conversas não indicariam uma inclinação firme de Bolsonaro. Dizem apenas que Paulo Guedes, futuro überministro da Economia, ainda não levou projeto claro para uma conversa decisiva com o futuro governo.

Os economistas dizem que têm uma reforma em mente, talvez com umas três variantes possíveis de estratégia de implementação, mas nenhum pacote de alternativas teria sido ainda apresentado ao presidente eleito.

De menos incerto é que se pretende apresentar um projeto básico bem assemelhado ao que Michel Temer enviou ao Congresso, com algumas emendas para torná-lo algo "diferente" e para que a economia prevista volte ao nível previsto na versão original da reforma.

Talvez alguma parte do projeto seja apresentada à parte, em particular alguma mudança que não dependa de mexida na Constituição.

O plano de capitalização (de Previdência baseada em contas individuais de poupança) viria de qualquer modo depois de aprovado o "bloco 1" da reforma, a mudança do sistema atual de aposentadorias e pensões, uma urgência fiscal.

Ainda não há sinais inequívocos de descrença no mercado, sinais nos preços, em taxas de juros, por exemplo.

Há taxas de prazo mais longo dando uma esticadinha, mas pode bem ser por qualquer motivo, como a escaladinha do dólar e outras tensões na finança internacional, que voltou a ficar estressada.

O clima doméstico é menos otimista, dada a desconversa sobre reformas, e o mundo lá fora não está ajudando nada, ao contrário.

Nas conversas com economistas da finança, nota-se um certo desânimo sobre as liberdades que Guedes terá para tocar um programa de reforma rápido e duro na Previdência.

No entanto, o povo que de fato mexe os bilhões para lá e para cá acha que, afora surpresas ou vazamentos essenciais, o próximo movimento decisivo ocorre em janeiro.

O fato é que se conhece quase nada dos planos de Guedes para a economia, muito pouco além do que se sabia durante a campanha. Dos planos de Bolsonaro, menos ainda.

 

Vinicius Torres Freire - jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

Fonte: coluna jornal FSP

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