A
pandemia da Covid-19 (causada pelo novo coronavírus) foi uma surpresa, para
muitas pessoas e empresas, pela forma como ela se espalhou e pela forma como os
governos e autoridades de saúde reagiram a ela. Porém, o risco de pandemia não
era desconhecido. Muitas vozes importantes no mundo dos negócios (como Bill
Gates, Nassim N. Taleb e Yuval Harari) já haviam chamado a atenção para um
possível risco de pandemia de grandes proporções.
- Pandemias – Como era e o que mudou?
A pandemia do Covid-19 vem sendo
comparada por muitos, por conta de seus efeitos, à “gripe espanhola” do começo
do Século XX. A gripe espanhola é usada como referência por causa de sua
amplitude territorial, pela facilidade de contágio e pela quantidade de pessoas
que vitimou. Nós tivemos outras pandemias em tempos modernos, como a SARS em
2002, a Influenza H1N1 em 2009 e a MERS em 2012. Porém, essas pandemias foram
menos impactantes globalmente e acabaram não sendo tão “visíveis” para a
população geral.
Aqui no Brasil (e em grande parte do Ocidente) tivemos poucos casos e víamos,
de forma geral, como um “problema lá do outro lado do mundo”.
- Pandemias e gestão de crises empresariais
Porém, o que acabamos NÃO vendo é
que essas pandemias anteriores à Covid-19 (ainda que localizadas no Oriente) já
estavam servindo como uma espécie de “balão de ensaio” para algumas empresas.
Algumas empresas (especialmente grandes corporações com atuação global) já
haviam colocado “risco de pandemia” em seu mapeamento de riscos empresariais.
Por isso, com a deflagração da Covid-19, elas já tinham algumas diretrizes
(ainda que precárias e não bem formuladas). A “bomba” acabou caindo, de forma
mais intensa, em alguns setores específicos (como viagens e eventos) e nas
empresas de menor porte. Pequenas empresas, notoriamente, acabam não dando a
devida importância para riscos empresariais. É compreensível, pois gestão de
riscos envolve procedimentos, práticas, planejamento e, principalmente, custos…
Estar preparado para situações adversas não é “de graça” e pequenas empresas
têm recursos limitados, o que as fazem operar, às vezes, próximas a uma
situação de negligência.
- Qual é o VERDADEIRO risco empresarial de uma
pandemia
O risco principal de uma pandemia é
obvio: É o risco à saúde. No caso de uma empresa, à saúde de seus funcionários,
fornecedores e clientes. Porém, a crise da Covid-19 evidenciou, em particular,
dois riscos que não são “de saúde”, mas são diretamente derivados de uma
pandemia.
- Disrupção do comércio e das cadeias de
suprimentos
Empresas podem ser dependentes de
fornecedores que estão em áreas de atividade pandêmica intensa. Uma pandemia
pode levar a ações que causam interrupções na produção e na logística. Assim,
uma empresa no Brasil pode ser afetada, de forma indireta, por uma pandemia na
China. Ainda que essa pandemia não chegue aqui, seus efeitos poderão ser
sentidos. O fluxo de produtos e insumos pode ser interrompido ou dificultado,
levando a aumento de custos e, em casos mais sérios, à cessação de atividades.
- Ações arbitrárias de autoridades públicas e de
saúde
Aqui, uma definição importante: A
palavra “arbitrária” não está sendo usada no sentido de uma atitude perversa e
truculenta, mas sim para definir uma ação que vem “de cima para baixo” e contra
a qual não temos muito o que fazer. Governos e autoridades podem tomar atitudes
arbitrárias, que restringem direitos individuais, se entenderem que há um risco
à sociedade. Talvez, o maior impacto econômico da Covid-19 veio dessas ações,
que ocorreram na forma de lockdowns, quarentenas e isolamento social.
Algumas regiões adotaram quarentenas “draconianas” (em que as pessoas se
tornaram, basicamente, prisioneiras dentro de suas próprias casas) ou a versão
mais light da quarentena que é o chamado “isolamento social”, onde as pessoas
mantiveram seu direito de ir e vir, porém locais que gerem aglomeração de
pessoas foram impedidos de funcionar. Lugares e empresas que dependam da
presença física de pessoas sofreram um impacto direto, pois foram vítimas da
“mão pesada” das autoridades que impediram seu funcionamento normal.
- O “verdadeiro problema”: A aglomeração
Aqui no Brasil, ao menos no momento
em que escrevo estas palavras, não tivemos casos reais de quarentena. Ouvi
relatos, em algumas cidades, de autoridades “exagerando um pouco” na restrição
de movimentação das pessoas mas, de forma geral, as pessoas não estão proibidas
de saírem de casa (ao contrário de alguns outros países, onde um simples
passeio pode gerar uma multa e uma acusação criminal). Mas a palavra-chave da
gestão dos riscos da Covid-19 é “aglomeração”. Os negócios que mais sofreram
foram aqueles que têm, em seu modelo, a necessidade de “pessoas juntas”. No
final, a aglomeração é que se revelou o “risco real”.
E são muitas as empresas que têm a
aglomeração como “modelo de negócios”. Restaurantes, hotéis, grandes lojas,
eventos esportivos e artísticos, aviões, aeroportos, navios de cruzeiro… Tudo
isso depende de ter “um monte de gente junto”. Esses são os negócios que mais
sofreram com a crise da Covid-19 e, provavelmente, são aqueles que mais
sofrerão no futuro.
- Um “manual de procedimentos” para pandemias
O motivo pelo qual esses negócios
sofrerão mais é porque a Covid-19 está sendo, antes de tudo, uma oportunidade
de as autoridades criarem um playbook de procedimentos para situações
assim. Se acontecer algo similar no futuro, já sabemos o que vai acontecer:
Lojas serão impedidas de abrir, restaurantes só poderão funcionar com delivery…
Ao menos para pandemias de padrão similar à Covid-19 (virais e transmitidas por
proximidade), já sabemos quais serão os setores econômicos mais afetados e
quais serão as medidas restritivas a serem adotadas.
- Implicações para o seu negócio
A primeira (e obvia) implicação
para o seu negócio é que, no seu mapeamento de riscos, você agora terá que
adicionar a linha “risco de pandemia”. Agora, se você não tem um mapeamento dos
riscos do seu negócio, você vai precisar ter muita sorte para sobreviver em um
mundo cada vez mais complexo e volátil. Se eu fosse você, providenciaria um
mapeamento de riscos “pra ontem”… E, junto com o mapeamento de riscos, você
precisa ter (ou atualizar) seu plano de continuidade de negócios, que vai
determinar como será o seu funcionamento caso um daqueles riscos mapeados
ocorra.
Se o seu modelo de negócios depende
da aglomeração de pessoas, a má notícia é que você, agora, tem uma fragilidade
(os tempos estão mudando… e aquilo que era visto como “força”, no passado, pode
virar uma fragilidade no futuro). As coisas podem até voltar à normalidade quando
a pandemia da Covid-19 passar mas, provavelmente, você viverá num estado de
alerta permanente pois, a qualquer momento, uma nova pandemia pode surgir e seu
negócio será um dos primeiros na “linha de impacto”.Se seu negócio REALMENTE
depende da aglomeração de pessoas (e você não tem como criar alternativas a
isso), você precisará trabalhar com seguros e com grandes reservas financeiras,
que te deem fôlego prolongado caso você seja impedido de operar por conta de
ações arbitrárias das autoridades públicas e de saúde. É o único jeito… Você
terá que aceitar a ideia de que seu negócio poderá ser “intermitente”,
alternando períodos de funcionamento com períodos de fechamento prolongado.
- Os modelos de negócio mais resilientes
Já se seu negócio NÃO é dependente
de aglomerações, seu risco de sofrer grandes impactos por conta de uma pandemia
cai bastante.Alguns negócios tipicamente dependem de aglomerações e de fluxo de
pessoas, mas podem desenvolver canais comerciais e de distribuição alternativos
para, na pior das hipóteses, tentarem “se segurar” no evento de uma pandemia. O
exemplo mais obvio, talvez, seja do restaurante que passa a funcionar com delivery,
ou da loja que desenvolve, por necessidade, canais de venda online. Se você
consegue, de alguma forma, operar por vias remotas, desenvolva esses canais.Há,
inclusive, a possibilidade de que a Covid-19, por seu impacto econômico e
psicológico, cause modificações comportamentais permanentes e esses canais
remotos de atendimento se tornem ainda mais relevantes… Talvez, até mesmo, o
canal principal.
- Os efeitos de “enésima ordem”
Neste artigo, procurei dar ênfase
ao risco de pandemia e seus impactos econômicos diretos (que implicam na
interrupção das atividades de uma empresa).Não abordei, aqui, efeitos de
segunda, terceira e quarta ordem que podem afetar seu negócio, como o impacto
econômico em OUTRAS empresas que fazem parte de seu ambiente de atuação e que
podem impactar o comportamento de seus clientes e fornecedores.Uma recessão,
causada por uma pandemia, é um exemplo de “efeito de segunda ordem”. Sua
empresa pode não ser impactada diretamente pela pandemia, mas seu consumidor
poderá ser impactado (pode perder o emprego, por exemplo…).Mas neste caso, num
mapeamento de risco, esses efeitos estariam melhor enquadrados como impactos de
um risco de crise ou recessão econômica, e não crise de saúde.
Empresas (em particular as pequenas
e médias) não costumam dar a devida importância à identificação e ao
gerenciamento dos riscos empresariais. As razões dessa negligência são, até
certo ponto, compreensíveis, pois boa parte das empresas trabalha com recursos
limitados, “vendendo o almoço para pagar a janta” e ignorando questões
estratégicas e de longo prazo. As razões para essa postura são compreensíveis,
porém, não são justificáveis. Empresas, de qualquer porte e segmento, precisam
ter uma política de gestão e mitigação de riscos. E a lista de riscos que pode
impactar (às vezes de forma definitiva) um negócio não para de crescer. Se o
“risco de pandemia” não fazia parte do seu plano, pode adicionar mais uma
linha…
André Massaro - autor de livros sobre finanças e
investimentos, palestrante, professor e consultor