O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. Além
de desigual, o Brasil é um país relativamente pobre. Em 2016, a renda per
capita do País era de US$ 8.650,00 por ano. A título de comparação, a dos
Estados Unidos era de US$ 57.470,00.
Por ser pobre e muito desigual, o Brasil tem um alto
porcentual de sua população vivendo na pobreza. Em 2016, 25,4% da
população, cerca de 50 milhões de pessoas, vivia abaixo da linha de pobreza,
renda familiar menor que R$ 387,07 por mês (IBGE). O mais chocante é
que a pobreza atinge principalmente as crianças. Em 2016, 42% das crianças
brasileiras, entre zero e 14 anos de idade, viviam em famílias pobres.
Estas crianças entram muito cedo no mercado de trabalho
e contribuem com uma parcela substancial da renda per capita familiar.
Como gastam uma parte importante de seu tempo trabalhando, sobra pouco
tempo para se dedicar aos estudos. Entre os trabalhadores que têm apenas
ensino fundamental incompleto, a porcentagem que começou a trabalhar com
até 14 anos atinge 62,1%. Para os trabalhadores que têm ensino superior
completo, este número cai para 19,6%. Ou seja, as crianças pobres de hoje saem
muito cedo da escola e serão os adultos pobres de amanhã.
Este é o principal mecanismo de reprodução da pobreza no
País. O objetivo do programa Bolsa Escola é exatamente quebrar este
vínculo entre pobreza no presente e pobreza no futuro. A ideia é tornar a
escola mais atraente que o mercado de trabalho para as crianças das famílias
pobres, remunerando sua permanência na escola. Mas só manter as
crianças nas escolas não é suficiente. É fundamental investir nas creches e
pré-escolas e melhorar substancialmente a qualidade das escolas
frequentadas por estas crianças, sejam elas públicas ou privadas.
Melhorar a gestão das escolas públicas, melhorar a
infraestrutura das escolas, enfrentar as corporações que são sempre
contra instrumentos de avaliação da qualidade, adotar o turno de sete
horas diárias, são algumas das reformas indispensáveis para se atingir
este objetivo. Para isto, seriam necessários mais recursos. Porém, o
Brasil decidiu adotar outros caminhos. Decidimos transformar o Bolsa Escola em
Bolsa Família, com o objetivo de acabar com a pobreza via transferência de
renda, e investir nos idosos.
Entre 2001 e 2015, o déficit da previdência social dos
funcionários públicos atingiu R$ 1,292 trilhão. Só em 2017, este déficit
chegou a R$ 86 bilhões. Como são um pouco menos de 1 milhão de aposentados, a
sociedade transferiu R$ 86 mil, em média, para cada funcionário público
aposentado no ano passado. Como os funcionários públicos aposentados estão
entre os 20% mais ricos da população, o sistema de aposentadoria do setor
público brasileiro é, provavelmente, o maior programa de transferência de
renda de pobre para rico do mundo.
Já o déficit do sistema de aposentadorias dos
trabalhadores do setor privado (INSS) chegou a R$ 936 bilhões entre 2001 e
2015. Ou seja, a sociedade, por meio do governo federal, transferiu, neste
período, R$ 2,228 trilhões para os aposentados. Nestes mesmos 15 anos, o
governo federal gastou R$ 839 bilhões com educação (37% de tudo o que
foi transferido para os aposentados).
Enquanto os gastos do governo com educação correspondem
a 5,4% do PIB, o total de gastos com aposentadorias e pensões chega a 14%
do PIB. O Brasil tinha menos de 10% de sua população com 65 anos ou mais e mais
de 25% com menos de 15 anos de idade. Ou seja, gastamos mais de seis vezes
per capita com aposentadorias e pensões do que com a educação de nossas
crianças.
O fato de gastarmos seis vezes mais per capita com
aposentadorias e pensões do que com a educação de nossas crianças e a
enorme resistência à implementação de uma reforma do sistema de aposentadorias
diz muito sobre as prioridades da sociedade brasileira. Estamos apenas
reforçando nossas escolhas passadas: previdência, desigualdade e pobreza.
José Márcio Camargo - professor do departamento de economia da PUC/RIO e economista
da Opus Investimentos
Fonte: O Estado de S. Paulo