Instinto materno também se aprende


Para a neurociência, instintos são comportamentos organizados por circuitos neuronais que já nascem funcionais ou estão lá desde o começo.

Patinhos recém-saídos do ovo seguem a primeira coisa que veem se mover. 

Normalmente é a própria mãe, o que funciona muito bem: a cria ganha proteção, cuidados e comida de alguém que é como eles. 

Não precisa ser a mãe, contudo. O zoólogo austríaco Konrad Lorenz descobriu que ele mesmo podia virar a referência incondicional para gansinhos que o vissem primeiro ao nascer, fenômeno que ele descreveu como imprinting. 

Fotos de Lorenz na água cercado por seus gansinhos viraram figurinha fácil em livros de biologia e comportamento —não só porque Lorenz ganhou um prêmio Nobel em 1973, mas também porque ele considerava imprinting um exemplo de um tipo de comportamento que fascina o público: instinto.

Instinto, em linguagem coloquial, descreve tudo aquilo que sabemos fazer sem precisar aprender. 

Soa quase esotérico, mas para a neurociência, a explicação é simples: instintos são aqueles comportamentos organizados por circuitos neuronais que ou já nascem funcionais, ou estão lá desde o começo, silenciosos mas prontos para entrar em ação ao receberem um sinal. 

Bebês mamíferos sugam o que lhes entrar na boca; bebês peixe nadam junto aos irmãos e irmãs que eclodem ao mesmo tempo, formando cardumes desde o começo; bebês gansos seguem a primeira coisa que se mover.

O recíproco do imprinting é o comportamento materno de proteção e apego à cria, também considerado instintivo porque ocorre naturalmente, mesmo em isolamento.

 Camundongos de laboratório exibem instinto materno tanto como nós humanos —o que torna possível estudar as origens de tal instinto, que hoje a neurociência sabe residir em circuitos entre o hipotálamo e o mesencéfalo, que direcionam o comportamento muito antes de o córtex cerebral ter uma chance de intervir.

O sinal poderoso que aciona tais circuitos e dispara o comportamento materno é o mesmo que, na cria, gera apego à mãe: a inundação de cérebro e corpo por ocitocina, hormônio e neuromodulador liberado em doses cavalares no parto e durante a amamentação.

Acontece que apenas observar mães cuidando de sua cria também ativa neurônios no hipotálamo que produzem ocitocina, mesmo no cérebro de jovens fêmeas virgens e sem qualquer experiência com filhotes, que então passam a agir como mães, ajudando com a cria. 

É o que mostra um estudo recém-publicado na revista Nature, que consistiu de “simples” observação do comportamento de camundongas fêmeas virgens e seus neurônios hipotalâmicos —o que requer mini-microscópios implantados no cérebro, coisa de cientista de país desenvolvido, como os EUA dos autores do estudo.

Ou seja: até instinto materno se aprende por observação. Quem sabe um dia também funciona com valorização da ciência...

SUZANA HERCULANO-HOUZEL - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

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