Emprego e desemprego no tempo do medo.
O desemprego multiplica a
delinquência e os salários humilhantes a estimulam. Jamais teve tanta
atualidade o velho provérbio que ensina: O vivo vive do bobo e o bobo de seu
trabalho.
De resto, já ninguém diz, porque ninguém acreditaria, trabalha
prosperarás.
O direito ao trabalho já se
reduz ao direito de trabalhar pelo que querem te pagar e nas condições que
querem te impor. O trabalho é o vício mais inútil.
Não há no mundo mercadoria
mais barata do que a mão de obra. Enquanto caem os salários e aumentam os
horários, o mercado de trabalho vomita gente. Pegue-o ou deixe-o, porque a fila
é comprida.
Emprego
e desemprego no tempo do medo
A sombra do medo morde os
calcanhares do mundo, que anda que te anda, aos tombos, dando seus últimos
passos rumo ao fim do século.
Medo de perder: perder o trabalho, perder o
dinheiro, perder a comida, perder a casa, perder: não há exorcismo capaz de
proteger da súbita maldição do azar.
Até um grande ganhador, eventualmente,
pode transformar-se em vencido, um fracassado indigno de perdão ou compaixão.
Quem se salva do terror da
falta de trabalho? Quem não teme ser um náufrago das novas tecnologias, ou da
globalização, ou de qualquer outro dos muitos mares revoltos do mundo atual?
Furiosas, as ondas golpeiam: a ruína ou a fuga das indústrias locais, a
concorrência de mão de obra mais barata de outras
latitudes, ou o implacável avanço das máquinas, que não exigem salário, nem
férias, nem gratificações, nem aposentadoria, nem indenização por demissão, nem
qualquer coisa além da eletricidade que as nutre.
O desenvolvimento da tecnologia
não está servindo para multiplicar o tempo do ócio e os espaços de liberdade,
mas está multiplicando a falta de emprego e semeando o medo.
É universal o
pânico ante a possibilidade de receber a carta que lamenta comunicar-lhe que
estamos obrigados a prescindir de seus serviços em razão da nova política de
gastos, ou devido à inadiável reestruturação da empresa, ou apenas porque sim,
já que nenhum eufemismo abranda o fuzilamento.
Qualquer um pode cair, a
qualquer hora e em qualquer lugar. Qualquer um pode se transformar, de um dia
para outro, num velho de quarenta anos.
Em seu informe sobre os anos 96
e 97, diz a OIT – Organização Internacional do Trabalho – que “a evolução do
emprego no mundo continua sendo desalentadora”.
Nos países industrializados, o
desemprego continua muito alto e aumentam as desigualdades sociais, ao passo
que nos chamados países em desenvolvimento há um progresso espetacular do
desemprego, uma pobreza crescente e um descenso do nível de vida. “Daí se
espalha o medo”, conclui o informe.
E o medo se espalha: o trabalho ou nada. Na
entrada de Auschwitz, o campo nazista de extermínio, um grande cartaz dizia: O
trabalho liberta.
Mais de meio século depois, o funcionário ou o operário que
tem trabalho deve agradecer o favor que alguma empresa lhe faz, permitindo que
rasgue a alma dia após dia, carne de rotina, no escritório ou na fábrica.
Encontrar trabalho, ou conservá-lo, ainda que sem férias, sem aposentadoria,
sem nada, e ainda que seja em troca de um salário de merda, é algo para
celebrar como a um milagre.
Fonte: revista Prosa, Verso e
Arte - trecho retirado do livro “De pernas pro ar”, de Eduardo Galeano.
tradução Sergio Faraco. L&PM, 1998.
EDUARDO GALEANO -foi um jornalista e escritor uruguaio (1940/2015)