Tenho um casal amigo que poupa disciplinadamente
com o objetivo de acumular dinheiro para a entrada da sonhada casa própria.
Recentemente foram a um desses feirões de imóveis para ver o que o mercado tem
a oferecer. Voltaram com uma pergunta: consórcio imobiliário é melhor do que
financiamento? Queriam conferir o discurso que ouviram de um dos muitos
representantes comerciais que estavam por lá.
Com dinheiro para entrada, eles têm basicamente
três alternativas:
1. Contratar financiamento imobiliário, parar de
pagar aluguel e desfrutar da casa nova imediatamente;
2. Aderir a um consórcio imobiliário e continuar
pagando aluguel por tempo indeterminado até que sejam sorteados ou tenham
dinheiro suficiente para um lance vencedor;
3. Continuar economizando e pagando aluguel,
ganhando juros sobre o capital investido, até que tenham dinheiro para comprar
o imóvel, à vista ou financiado, assumindo dívida menor.
Voltando à pergunta inicial do casal, quero rebater
os argumentos de que consórcio é melhor que financiamento porque não cobra
juros. São coisas diferentes uma da outra. Verdade que consórcio não cobra
juros, mas cobra taxa de administração. E tem uma complexidade que poucos
conhecem, com detalhes e barreiras muitas vezes esquecidas ou omitidas pelos
representantes comerciais no calor do discurso de venda.
SORTEIO
Só há duas maneiras de você ser contemplado: por
sorteio ou lance. No sorteio, você só precisa de sorte, muita sorte. E o grupo
precisa ter recursos suficientes para conceder a carta de crédito. Duas
notícias ruins: a) ser o azarado do grupo e esperar anos a fio pelo sorteio,
ajudando a pagar a casa dos outros; b) os primeiros contemplados pagarão
parcela correspondente ao valor atualizado, embora tenham recebido carta de
crédito de valor inferior.
LANCE
Nem sempre leva aquele que der o maior lance, em
valor absoluto. É preciso ficar atento a dois aspectos relevantes: se o grupo
trabalha com lance embutido e como se apura o lance vencedor nos grupos com
carta de crédito de valores diferentes.
O lance embutido permite a utilização de parte da
carta de crédito como lance, sem a necessidade de caixa. Suponha a compra de um
consórcio de R$ 400 mil. Você não tem dinheiro para um lance e não quer esperar
ser sorteado. Suponha ainda que o consórcio permita utilizar até 50% da carta
de crédito como lance embutido, ou seja, R$ 200 mil.
O valor das parcelas cai porque, afinal, você
comprará um imóvel de só R$ 200 mil. Entretanto, a taxa de administração e
outros encargos incidem sobre o total da carta de crédito, R$ 400 mil, e o
custo efetivo total aumenta. Se você quer adquirir o imóvel por lance, fique
atento.
Quando o grupo tem cartas de crédito com valores
diferentes, o lance vencedor será o que representa o maior percentual da carta
de crédito, e não o de maior valor absoluto. Suponha um grupo de cartas de
crédito de R$ 50 mil a R$ 100 mil. Dois lances são apresentados: um de R$ 10
mil e outro de R$ 8.000. Embora menor, o lance de R$ 8.000 será o vencedor
porque se refere a uma carta de crédito de R$ 50 mil, 16% do valor da carta. O
lance de R$ 10 mil, embora maior em valor absoluto, se refere a apenas 10% da
carta de crédito de R$ 100 mil.
CUSTOS
Argumento muito usado pelos vendedores é o de que
em um consórcio não há pagamento de juros. Evidente que não, porque não se
trata de um financiamento propriamente dito. Não significa que não exista
custo, que, nesse caso, é representado pela taxa de administração que remunera
a prestação de serviço de gestão e administração do grupo. Costuma variar de
12% a 20%.
Embora menor que os juros cobrados pelos bancos,
convém avaliar a alternativa de depositar em uma aplicação financeira e ganhar
rendimentos em vez de pagar custos a terceiros, tenham o nome que tiverem.
No fundo, a grande decisão a tomar é 1) continuar
pagando aluguel enquanto espera pela casa própria, seja via consórcio ou
poupança financeira; ou 2) parar de pagar aluguel já e encarar o juro de um
financiamento imobiliário, acelerando o acesso à tão sonhada casa própria.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais
Financeiros e autora de 'Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro'
Fonte: coluna semanal jornal FSP