Todo
mundo entende que alguém fique de cama por causa de pneumonia, pé quebrado ou
amigdalite. Até dengue é respeitada. Por que uma crise depressiva não é digna
do mesmo tratamento?
Porque
quem sofre não fala a respeito, eu diria –e assim o problema se perpetua. Quem
sofre não quer, além da doença, lidar com o estigma, o que é compreensível. Mas
quanto menos se fala, menos se entende que a depressão é uma doença real cujos
sintomas não são dores no corpo, mas a morte temporária da alma.
Então
vamos falar a respeito. Uma crise depressiva é exatamente tão real quanto uma
crise de esclerose múltipla. Ambas começam com um episódio de estresse crônico
intenso e incontrolável, que leva à produção de altos níveis do hormônio
cortisol. Quem não tem predisposição genética sai ileso, mas quem tem corre o
risco de uma falência catastrófica dos sistemas afetados. Em uns, o cérebro
começa a destruir sua própria mielina, e tem início uma crise de esclerose
múltipla, com perda sensorial, motora ou cognitiva.
Com
a perda de neurônios, o hipocampo joga a toalha e entra em alarme máximo e
permanente, só aguardando a catástrofe final. Este é o estado de ansiedade
crônica, exaustivo e também autoperpetuante, pois o estresse alimenta a si
mesmo e só faz a situação piorar.
Se
o sistema de recompensa e motivação também perde neurônios dopaminérgicos,
vai-se com eles qualquer possibilidade biológica de iniciar movimento, ação
mental ou prazer. Esta é a depressão: um estado não de tristeza profunda
(embora ela seja filha da falta de prazer ou expectativa dele), mas de total
falta de força mental, motivação, vontade –qualquer coisa que soe como uma
emoção positiva.
A
depressão vem em graus diferentes, mas ver alguém em depressão profunda é
assustador. "Não conseguir sair da cama" é tecnicamente correto, mas
remete a um adolescente de ressaca. Mais exato seria descrever o estado como
uma dolorosa paralisia mental, pois ainda que registre seu sofrimento, o
cérebro não tem forças para se mover ou pensar: o "sopro" dopaminérgico
da alma foi embora.
A
crise se resolve mais cedo (com remédios) ou mais tarde (sem), e pode ser
prevenida. Mas a falta de compreensão sobre esta doença que mata
temporariamente o sopro da alma só será eliminada quando quem sofre de
depressão decidir falar a respeito.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do
livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com.br