Muitos neurônios associativos tornam corvos
inteligentes
Tamanho
não é documento: corvos ganham de avestruz em matéria de neurônios
Corvos, aves da mesma família que inclui as gralhas
brasileiras, são bichos tão inteligentes quanto grandes primatas —apesar do
cérebro diminuto, que cabe na cabecinha da ave, mais ou menos do tamanho do
polegar de um gorila.
Como macacos e chimpanzés, e muito melhor do que micos e
até cachorros, corvos sabem se identificar no espelho; distinguem
quantidades; e não só usam objetos como ferramentas, mas também fabricam as
próprias, com o bico e as garras.
Como é possível animais de cérebro tão pequeno
serem capazes de tanta coisa?
Quando trabalhava no Brasil, eu e meus
colaboradores na República Tcheca, que tinham acesso fácil a aves de várias
espécies para pesquisa, descobrimos que aves canoras, incluindo papagaios e
corvos, têm números de neurônios no seu córtex cerebral comparáveis aos números
encontrados em macacos.
O achado equivale a descobrir que uma colher e um
prato de sopa contêm números semelhantes de sementes —o que só é possível se as
sementes na colher, como os neurônios das aves, forem muito menores do que as
sementes no prato, como os neurônios de mamíferos.
Quanto mais neurônios, maior
deve ser a capacidade do córtex em processar sinais e informação, pensamos.
Mas nem todos os neurônios corticais são iguais: há
os que processam sensações e movimentos, e outros que juntam coisa com coisa, o
que permite ao cérebro criar associações, encontrar padrões e inventar regras.
Esses são os neurônios associativos —e talvez, em matéria de flexibilidade
cognitiva, que é minha definição de inteligência, seja isso o que importa,
muito mais do que o total de neurônios.
Para testar essa possibilidade, meu grupo e dois
colegas na Alemanha comparamos três espécies de corvo com pombo, galinha e
avestruz, a maior das aves, com o maior cérebro.
Mais uma vez, vimos que tamanho
não é documento: ainda que os corvos percam do avestruz em termos de números de
neurônios sensoriais, são os corvos que ganham, e de longe, em números de
neurônios associativos, que estimamos serem tantos quanto no córtex do
chimpanzé.
O estudo acaba de ser publicado no Journal of Comparative Neurology.
Minha próxima pergunta, agora, é quanta energia
custa operar tantos neurônios em cérebros de tamanhos tão diferentes: uma
quantidade proporcional ao número de neurônios, ao tamanho do cérebro, ou a
alguma outra coisa?
Ou seja, o que determina quanta energia um cérebro usa?
Serão aves mais eficientes do que nós primatas, neste quesito?
Tentei abordar o assunto quando ainda trabalhava no
Brasil, em projeto em colaboração com os mesmos pesquisadores na Alemanha.
Eles
receberam do governo alemão onze vezes o valor que eu pude sequer solicitar à
Faperj, e nunca recebi, porque o Estado do RJ quebrou.
Para sorte da minha
pesquisa, pude me mudar para outro país, e quanta energia custa um cérebro
agora é pergunta que eu posso responder. Me aguardem!
SUZANA HERCULANO-HOUZEL - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)