Solvência: o que vem por aí?


Como sabemos, na última quarta-feira, dia 25 de novembro, foram aprovadas no Conselho Nacional de Previdência Complementar as alterações das Resoluções CGPC nº 26/2008 e 18/2006, que passam a contar com novas definições acerca das regras de solvência dos planos de benefícios e prazos para equacionamento de déficits, respectivamente. Enquanto aguardamos o texto final, buscamos avaliar melhor os pontos principais das novas regras e seus impactos, regras estas que poderão ser adotadas de forma facultativa ainda em 2015 e, obrigatoriamente, a partir de 2016.

Após um ano das alterações nas regras de precificação de ativos e passivos, realizadas através das Resoluções CNPC nº 15 e 16, de novembro de 2014, que visaram trazer regras mais apropriadas para o assunto, as quais estão alinhadas com os princípios de visão de longo prazo e o respeito a individualidade dos planos, vemos, com satisfação, a conclusão do debate com as novas regras de solvência, que passam também a contar com a duração do passivo (duration) como elemento central.

Destinação de Superávit

Certamente as alterações quanto a definição da Reserva de Contingência e, consequentemente, da Reserva Especial, constituem-se em profunda mudança de paradigma para o sistema, pois determinam a adequação de uma regra nunca antes discutida.

A Lei Complementar nº 109/01, em regra herdada da Lei 6435/77, em seu artigo 20 prevê a constituição da Reserva de Contingência, indicando o limite máximo de até 25% das reservas matemáticas, mas sem determinar a regra de sua constituição. Por sua vez, a Resolução CGPC nº 26, em seu texto original de 2008, veio, aí sim, para definir em seu artigo 8º que a Reserva de Contingência dos planos seria de 25% das provisões matemáticas. Desde então muito se discutiu sobre a regra e certamente a pergunta que norteou os debates é: um plano em extinção e/ou bastante maduro precisa ter o mesmo nível de Reserva de Contingência de um plano jovem? Ao se manter a Reserva de Contingência em nível fixo de 25% das Reservas matemáticas, não estaríamos enriquecendo os últimos sobreviventes do plano, em detrimento de todos os demais?

Com a intenção de resolver esse “problema” a regra aprovada pelo CNPC na semana passada passa a prever que o limite da Reserva de Contingência variará, regressivamente, de acordo com a duração do passivo, sem deixar de observar o limite máximo de 25% previsto na LC 109/01.

Assim, a forma de determinação do limite da reserva de contingência passará a ser dado pelo fórmula descrita abaixo:

LIMITE DA RESERVA DE CONTINGÊNCIA = MÍNIMO {25% ; (10% + (1% x DURATION))} x PROVISÕES MATEMÁTICAS

Da formulação acima concluímos que planos de benefícios com duração do passivo (duration) igual ou maior que 15 anos se manterão com o nível histórico de 25% das provisões matemáticas para a reserva de contingência, ou seja, hoje não seriam impactados pela nova regra. Por outro lado, todos os planos de benefícios com duration inferior a 15 anos experimentarão, pela primeira vez, limites de Reserva de Contingência inferiores aos 25% das Reservas Matemáticas, o que implicará em elevação ou constituição de Reserva Especial, aquelas passíveis de destinação para utilização do superávit.

Avaliamos o impacto dessa alteração em uma amostra de 32 planos de benefícios com resultado atual de superávit. Na amostra a duração do passivo média é de 12,5 anos e observamos que a Reserva Especial com a nova regra passaria de R$1,028 Bilhões para R$1,657 Bilhões, um aumento de 61%. Nesses casos, o limite da Reserva de Contingência média é de 21,4% das Reservas matemáticas, bem como observamos que 5 dos 32 planos não tinham Reserva Especial constituída quando observada a regra atual, mas passarão a ter com a aplicação da nova regra. Portanto, a nova regra resultou, na maioria dos casos, em ampliação da Reserva Especial existente ou mesmo a constituição da referida reserva onde não se observava na regra atual. Importante ressaltar que, em qualquer situação, com base na regra aprovada, o patamar mínimo para a Reserva de Contingência, independente da duration é de 10% da Reserva Matemática.

Sem sombra de dúvidas a regra aprovada para o superávit aponta para um ajuste importante e há muito clamado pelas EFPC, visando contemplar com maior justiça os planos maduros e, por conseguinte, os participantes, assistidos e patrocinadores desses planos, sem, contudo, descuidar da segurança do sistema, fixando um requisito mínimo para a Reserva de Contingência (10%), bem como manteve a referida reserva nos patamares atuais para aqueles planos mais jovens, com duration igual ou superior a 15 anos.

Outra alteração importante nas regras aprovadas pelo CNPC dia 25/11, relativa ao superávit, foi quanto à exigência de observar hipóteses mínimas de tábua de mortalidade e taxa de juros para realização da destinação de superávit. Na regra atual é exigida a alteração das premissas na precificação do passivo, mas a partir da nova regra o plano de benefícios poderá manter suas premissas devendo observar os parâmetros mínimos apenas como provisão extra e que exigirá a redução do valor a ser destinado, ou seja, fazer um ajuste (redução) diretamente na Reserva Especial. Essa é uma mudança importante, ao nosso ver, principalmente para planos de Contribuição Variável, em que alterações de premissas são pouco recomendáveis (exceto se imprescindíveis) por afetarem a concessão de benefícios. Portanto, a nova regra corrige essa distorção não mais exigindo a alteração das premissas.

Equacionamento de déficit

Para as regras relativas ao déficit as alterações aprovadas seguem a mesma linha do que observamos no superávit, ou seja, uma regra que preveja limites sustentáveis no longo prazo, que não agravem o risco do plano e que observe a sua maturidade. A nova regra pode ser considerada até mais rigorosa que a anterior, porém mais justa e mais adequada. Importante ressaltar que a partir de sua vigência, para os planos que tenham duration igual ou inferior a 4 anos não será suportado qualquer limite de déficit, diferentemente da regra atual.

Dessa forma, o limite de déficit previsto nas aprovações da semana passada também será variável de acordo com a duração do passivo do plano de benefícios, sendo determinado pela fórmula abaixo:

LIMITE DE DÉFICIT ACUMULADO = 1% x (DURATION – 4) x PROVISÕES MATEMÁTICAS

O déficit acumulado poderá ser mantido até o limite apurado pela formulação acima, sendo que o equacionamento obrigatório será apenas para a eventual parcela do déficit que superar esse limite.

Neste ponto é preciso entender que os patamares mínimos de equacionamento definidos na nova norma não são mandatórios, a EFPC, dentro de critérios técnicos e sempre em busca de uma gestão pró ativa, deve procurar entender as causas de resultados deficitários, tomando as providências para sua reversão, inclusive, se for o caso, trabalhando com equacionamentos acima dos limites mínimos legais.

Sendo assim, as exigências de equacionamento integral do déficit na regra atual, quando observado por três exercícios consecutivos ou quando superior a 10% das provisões matemáticas, não se aplicarão mais, podendo o plano manter-se em situação de déficit acumulado desde que dentro do limite da norma e enquanto sua duration for superior a 4 anos. Contudo, é importante entender que o limite tende a reduzir com o amadurecimento do plano, seja pela redução das Reservas Matemáticas, seja pela redução da duração do passivo, até que planos com duração igual ou inferior a 4 anos tenham obrigatoriamente que equacionar de imediato (promover plano de equacionamento até o final do exercício subsequente) todo e qualquer déficit acumulado que seja observado a partir de então.

Essas características são importantes pois, ao contrário do que muitos imaginam, a nova regra não permitirá que o resultado deficitário acumulado seja equacionado apenas no fim do plano, seu equacionamento acontecerá de forma gradual, ao longo do tempo, porém a longo prazo, conforme a duration de cada plano, permitindo evitar custos demasiadamente elevados no curto prazo.

Avaliamos também o impacto dessa nova regra em uma amostra de 16 planos deficitários, cujo déficit total é de aproximadamente R$ 824,1 Milhões e que apresentam uma duração média do passivo de 11,59 anos. Para esses planos o total de déficit a ser equacionado na regra atual é da ordem de R$752,6 Milhões, mas se observada a regra aprovada pelo CNPC teríamos um equacionamento de R$238,0 Milhões, uma redução de 68,4% no déficit a equacionar. Para evitar questionamentos que foram levantados durante os debates, é sempre importante lembrar que o montante do déficit não se modifica com a nova norma, mas tão somente o valor a ser equacionado (mudança apenas nos limites).

Observamos, ainda, no estudo que fizemos, que 3 dos 16 planos teriam que equacionar seu déficit na regra atual, mas se aplicadas as novas regras não teriam que realizar plano de equacionamento no próximo ano; outros 5 planos manteriam a necessidade de realizar equacionamentos, contudo, em patamar menor e, o restante, não teriam obrigatoriedade de equacionamento no exercício nas regras atuais ou nas novas. Importante ressaltar que apesar de não observado na amostra, é possível que algum plano que não tenha necessidade de equacionamento na regra atual passe a ter com a regra aprovada.

Plano de equacionamento: prazo máximo e contribuições mínimas

Ainda sobre déficit, a norma aprovada no CNPC no último dia 25/11 prevê o ajuste quanto ao prazo máximo de equacionamento do déficit, que ficou definido com a publicação da Resolução CNPC nº 15/2014 como limitado ao prazo da duração do passivo. Em uma série de debates avaliou-se que limitar o prazo máximo de equacionamento de déficits por uma medida que representa o prazo médio de pagamento de benefício do plano, dado pela duration, acarretava em exigência de contribuições, na maioria das vezes, desnecessariamente altas no curto prazo.

Sendo assim, a proposta visou adequar a regra trazida pela Resolução CNPC nº15/14. Portanto, a partir da publicação da nova regra, o prazo máximo de equacionamento passa a ser igual a 1,5 vezes a duração do passivo do plano de benefícios. Convém sempre lembrar que o prazo máximo somente poderá ser utilizado caso seja constatado, por meio de fluxo atuarial, a liquidez necessária para o plano de benefícios.

Outra medida voltada para regulamentação do plano de equacionamento trata-se da previsão de que as contribuições extraordinárias previstas em um equacionamento devem ser decrescentes ou lineares. Essa medida visa evitar que as EFPC façam planos de equacionamento com alíquotas reduzidas no começo e muito elevados ao final do prazo (crescentes), que podem acarretar em transferência intergeracional indevida. Tal previsão de linearidade, ou mesmo decréscimo, não se estende à amortização.

Próximos passos

Além de aguardar a redação final da nova norma, é previsível que haja uma instrução normativa da PREVIC, para esclarecer questões operacionais quanto à aplicação das regras previstas na resolução do CNPC.

As EFPC devem procurar avaliar os impactos da nova regra, em especial pelo fato de a aplicação ser facultativa em 2015. Entretanto, os gestores têm que ter clareza dos resultados para decidirem a estratégia que irão adotar, apesar do curto espaço de tempo para tal, ou seja, observar as mudanças de imediato ou “preparar terreno” para as mudanças certas a partir de 2016.

A aprovação das novas regras de solvência, alinhadas com os avanços na precificação observados em 2014, criam um cenário favorável para que as EFPC trabalhem estrategicamente com uma visão de longo prazo. Com um arcabouço normativo mais adequado, certamente as EFPC poderão vislumbrar novas alternativas para a gestão dos planos de benefícios, focando estratégias de longo prazo e, com isso, propiciar um maior crescimento do nosso sistema.

 

Antônio Fernando Gazzoni - atuário, administrador de empresas,  especializado em Fundos de Pensão e Gestão de Investimentos Alternativos, certificado pelo Instituto de Certificação dos Profissionais de Seguridade Social – ICSS. É diretor presidente da GAMA Consultores Associados.

Frederico Schulz Diniz Vieira -  atuário,  membro do Instituto Brasileiro de Atuária e Membro da Comissão de Entidades Fechadas do Instituto Brasileiro de Atuária. É Supervisor Atuarial da GAMA Consultores Associados.

 

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