Competências como resiliência,
cooperação ou liderança, parte das chamadas habilidades socioemocionais, nunca
foram estranhas ao mundo da educação. Mas evidências recentes de que esses
fatores têm forte impacto no desempenho escolar já têm alterado o trabalho em
escolas públicas e particulares –e desafiado quem se dedica à área.
No colégio Bandeirantes, na
capital, não haverá mais divisão de salas de aula no ensino médio por
desempenho a partir de 2017 –decisão vinculada ao trabalho estruturado que a
escola vem desenvolvendo nesse campo. "Não basta ensinar só história,
geografia, também é necessário ensinar relacionamentos", diz a professora
Maria Estela Zanini, que comanda na escola uma coordenadoria chamada
Convivências em Processo de Grupo.
O Ismart, instituto que seleciona talentos da rede pública para
dar bolsas em escolas particulares, já avalia autonomia, motivação, inspiração
e persistência na hora de escolher os bolsistas.
"Estamos conseguindo
combinar mais o perfil emocional com o desempenho acadêmico e percebemos que,
agora, quando os jovens entram no projeto, conseguem desempenho melhor muito
mais rápido", diz a diretora Maria Amelia Sallum.
De olho na formação dos
professores nesses conceitos, o Instituto Singularidades, de São Paulo, acaba
de lançar uma especialização pioneira em habilidades socioemocionais voltada para educadores.
Pesquisas promovidas pelo
Instituto Ayrton Senna mostram que o perfil emocional dos alunos tem impacto na
sala de aula. Alunos mais responsáveis, focados e organizados aprendem em um
ano letivo cerca de 30% a mais de matemática do que os demais colegas.
O estudo foi feito na rede
estadual do Rio e apresentado em 2014. O instituto iniciou em 2013 um projeto
piloto na escola estadual Chico Anysio, no Rio, que atende alunos de ensino
médio. A rede estadual de São Paulo iniciou no ano passado um programa piloto
voltado ao perfil emocional dos alunos. Hoje, ele atinge 145 escolas dos anos
iniciais do ensino fundamental.
MEDITAÇÃO
Sentados no chão e em círculo,
os alunos da 3ª série B da escola estadual Professora Maria Antonietta de
Castro, no Jardim Julieta, zona norte da capital, começam a aula com uma
meditação. "Inspira e respira", pede a professora Viviane Araujo, 40,
atendida pela maioria dos estudantes de 8 e 9 anos.
Com fotos na mão de uma criança
chorando e outra sorrindo, ela provoca os alunos sobre os sentimentos ali
representados. Pergunta bastante, tenta ouvir ainda mais. "Estávamos
acostumados com uma escola em que o professor tem a detenção do discurso e, no
programa, é essencial ouvir. Foi um desafio", diz a professora.
Uma vez por semana os alunos
têm uma aula específica, mas a ideia é que os conceitos abordados perpassem
todas as aulas. "Na primeira aula já aprendi que não pode bater, que tenho
que ouvir meu colega e respeitar minha vó, que está trabalhando para sustentar
a gente", diz o aluno Marcelo Filho, 8, após uma aula.
O programa tem formações com
professores e material didático próprio. "Trabalhando nessa expectativa
conseguimos aumentar a autonomia racional das crianças", diz a
coordenadora de Gestão da Educação Básica da Secretaria de Educação do Estado,
Gislene Trigo.
CUIDADOS
A professora da Faculdade de
Educação da USP (Universidade de São Paulo) Sandra Zakia afirma que desde os
anos 80 existe a preocupação na escola de ir além das habilidades cognitivas.
Ela, no entanto, faz ressalvas sobre a ênfase que o tema vem ganhando.
"Causa estranhamento esse
realce tão grande das habilidades socioemocionais, ainda mais em avaliações,
que podem justamente resultar em um disciplinamento inadequado das crianças e
jovens", diz a professora.
Paulo Saldaña – jornalista da FSP