Os jornais fazem um
retrato tenebroso da situação em que se encontra a Petrobras, um mês depois de
revelada a extensão das negociatas que envolveram políticos, dirigentes da
estatal e grandes empreiteiras que fazem parte de sua constelação de negócios.
Os números são tão grandiosos que o leitor é incapaz de imaginar o volume de
dinheiro desviado em negócios superfaturados.
O resultado é que, quanto mais atenção coloca no noticiário,
menos capaz fica o cidadão de abranger todo o contexto. Na terça-feira (16/12),
porém, surge uma ponta da meada que permite entender a lógica da imprensa: com
seu valor reduzido seguidamente por conta do escândalo, sob ameaça de ações
judiciais nos Estados Unidos e no Brasil, e ainda sob risco de ver seus
principais fornecedores serem condenados e proscritos, analistas começam a
afirmar que a estatal estaria impossibilitada de seguir explorando a reserva de
pré-sal (ver aqui e aqui).
Como se sabe, os 149
mil km2 da província do pré-sal apresentam uma taxa de produtividade muito
acima da média mundial e já são a fonte de quase 30% de todo o óleo extraído
pela empresa. Feita a projeção de crescimento dos atuais 550 mil barris por dia
em 25 poços produtores, daqui a três anos, com quase 40 poços ativos, o pré-sal
deverá suprir 52% da oferta de petróleo no Brasil.
Num cenário em que o
preço internacional do óleo cai abruptamente, cresce o valor estratégico da
empresa brasileira justamente pelo fato de estar próxima de dar ao Brasil a
oitava maior reserva do mundo, com 50 milhões de barris ou mais, qualificando o
país como protagonista no setor.
Qual era a vantagem
estratégica da Petrobras em relação às demais gigantes do setor? Exatamente o fato
de possuir suas principais áreas de exploração em uma região sem conflitos
militares, sem instabilidade política e plenamente conformada às normas e
regulações internacionais. Até mesmo os riscos ambientais alardeados na década
passada, quando foi anunciada a decisão de explorar as reservas de alta
profundidade, foram desmentidos com o tempo.
O escândalo envolvendo
a empresa a torna vulnerável a ataques de todos os tipos, mas principalmente
abre caminho para as forças que têm interesse em alterar o marco regulatório do
pré-sal.
Interesses poderosos
Há corrupção nos
negócios da Petrobras? Certamente, muito do que tem sido noticiado nos últimos
meses acabará sendo comprovado, mas há um aspecto que não vem sendo considerado
pela imprensa: a corrupção é parte do processo de gestão do setor petrolífero
em todo o mundo e, no caso presente, a estatal brasileira se encontra no papel
de vítima. Portanto, há uma distorção no noticiário que esconde muito mais do
que o propósito de expor a relação deletéria entre negócios e política.
Embora os contratos de
partilha do óleo de grande profundidade sejam geridos pela empresa Pré-Sal
Petróleo S.A, criada como subsidiária da Petrobras para executar o novo marco
regulatório, a operadora do sistema é a Petrobras. Cabe à estatal criada por
Getúlio Vargas o ônus do processo de depuração que está em curso com as
investigações que ocupam diariamente as manchetes dos jornais. Embora a maior
parte dos danos seja debitada na aliança que governa o país desde 2003,
principalmente ao Partido dos Trabalhadores, é o modelo do negócio que corre
risco.
É pouco conhecido o
fato de que a Petrobras não se tornou uma estatal com o novo marco regulatório:
apenas 33% do capital pertencem ao Estado, e 67% estão em mãos privadas. O que
mantém o controle da empresa em mãos do Estado é o fato de que este controla
metade mais uma do total de ações com direito a voto, o que preserva a
Petrobras como sociedade de economia mista.
Não é, então, a
condição legal da empresa que pode mover interesses poderosos, mas o sistema de
exploração do pré-sal: pelo modelo antigo, de concessão, as companhias
concessionárias podiam fraudar facilmente os custos de extração, reduzindo a
parcela a ser paga tanto em royalties ao Tesouro quanto em barris de petróleo a
serem entregues ao sistema de refino e distribuição. O modelo de partilha,
criado pelo novo marco regulatório de 2009, mantém sob controle mais rigoroso o
usufruto dessa riqueza natural por parte do Brasil.
O bombardeio constante
e diário de notícias sobre a corrupção esconde outros aspectos desse jogo.
Luciano Martins Costa - Jornalista e escritor,
autor, é produtor e apresentador do programa Observatório da Imprensa.
Fonte: site Observatório da Imprensa