Chegamos a um
tempo em que é preciso ensinar adultos a olharem para nossas crianças para
compreendê-las no que fazem e sentem, dar dicas a respeito do que elas podem
fazer e do que ainda não podem, por falta de maturidade, mostrar que muitos
comportamentos são absolutamente naturais nessa fase da vida. Aos poucos,
perdemos a imagem social compartilhada da infância e, consequentemente, de como
é uma criança.
Faz décadas que
estudiosos têm alertado para o desaparecimento da infância como a conhecemos na
modernidade. Uma das consequências da mudança do sentido da infância é o fato
de muitos adultos não saberem mais conviver com a criança, não suportarem mais
seus comportamentos tão típicos.
O que quer uma
criança? Viver e experimentar tudo o que é possível para conhecer o mundo em
que vive da sua maneira, e não apenas pelo olhar e compreensão do adulto.
Isso significa,
por exemplo, que a criança fará aquilo que já lhe disseram inúmeras vezes para
não fazer. É curiosidade, é vontade de entender, de checar, de pesquisar. É
insistência, característica tão escassa em nosso tempo!
A mãe de um
garoto de três anos cheio de vida –que a escola, por sinal, chama de
"criança agitada"– contou que tem plantas em casa e que sempre
explicou ao filho que planta é vida, que precisa ser cuidada para não morrer.
Num belo dia, o menino arrancou da terra a maioria das plantas. "Por que
ele fez isso se eu já conversei com ele tantas vezes sobre a importância de
cuidar e não de destruir?", perguntou-me ela, decepcionada.
Porque ele tem
três anos e, provavelmente, quis ver por si mesmo o que significava aquilo que
a mãe lhe dizia. Esse fato não é suficiente para afirmar que ele é uma criança
teimosa, agressiva e com impulso destrutivo, como sugeriu a mãe. Tampouco
permite dizer que é uma criança agitada. Ele tem fome de viver!
A criança se
considera soberana naquilo que quer por um motivo simples: seus impulsos a
controlam, e só com seu desenvolvimento é que poderá vir o aprendizado de que
ela pode controlá-los. É por isso que uma criança pequena empurra, morde ou
bate em outra que está com um objeto que ela quer no momento ou que a
atrapalha.
Mas, pensando
melhor, é possível que nossas crianças duvidem dessa possibilidade de aprender
a conter impulsos que afetam os outros. É que elas estão totalmente expostas ao
mundo adulto e percebem com clareza que estes não controlam seus impulsos
destrutivos, não é?
Vi uma peça
publicitária de um canal de filmes da televisão a cabo que mostra bem o tipo de
relação que temos tido com as crianças. No primeiro tempo, o canal apresenta a
vida da mãe nas férias dos filhos sem o canal: criança chorando, teimando,
fazendo manha, berrando etc., e a mãe desesperada. Depois, com a compra do
canal, a criança se acalma e a mãe fica tranquila. Criança boa é criança
quieta, que não dá trabalho, é isso?
Vamos aceitar: é
prerrogativa da criança teimar, desobedecer, ser impulsiva, querer fazer o que
não pode nem deve, reclamar, resistir, exigir, reivindicar etc.
É dever dos
adultos responsáveis fazer sua contenção, sua proteção –de perigos que ainda
não reconhece e de si mesma–, cuidar de sua formação e jogar, diariamente,
gotas de realidade nela.
Rosely Sayão - Psicóloga e consultora em educação, fala sobre
as principais dificuldades vividas pela família e pela escola no ato de educar
e dialoga sobre o dia a dia dessa relação.
Fonte: coluna jornal FSP