Você, caro leitor, que
até o fim da semana passada provavelmente nunca tinha ouvido falar em ilusão de
luminosidade, que é a ciência por detrás do fato, a esta altura já deve estar
cansado das discussões na internet e das manchetes na imprensa associadas ao
tal vestido. E já sabe que a resposta correta à pergunta acima é preto e azul
(desconfiei desde o princípio).
E o
que isto tem a ver com previdência complementar e com nossa newsletter? Deixe
eu lhe explicar, antes que você, que não aguenta mais este assunto, abandone a
leitura do artigo.
É certo que o efeito provocado pela ilusão de luminosidade é
algo curioso e fico feliz por ter aprendido mais este truque que nosso cérebro
nos aplica. Mas o fenômeno associado ao vestido carrega consigo uma lição muito
mais importante: o poder da comunicação é tamanho que uma banalidade
como esta, postada por uma pessoa comum, foi capaz de dominar discussões e, pasmem,
manchetes principais de jornais nacionais de diversos países. Tudo isso em
poucas horas: a postagem original que ganhou o mundo ocorreu em 27/02,
quinta-feira, e no dia seguinte era impossível não ouvir algo sobre o assunto.
Estado Islâmico? Petrolão? Cantareira? Não! Cor do vestido!
As
implicações de uma comunicação tão poderosa como a que temos hoje são inúmeras
e toda organização precisa estar atenta para saber, ou ao menos tentar, lidar
com ela. A loja Roman Originals, que vende o vestido por £50 no original preto
e azul, foi inesperada e diretamente atingida – neste caso, de forma benéfica –
pela polêmica. Estão correndo contra o tempo para produzir mais vestidos, seja
em preto e azul, em branco e dourado (porque não pensaram nisto antes? Ele fica
mais bonito!), e com isto maximizar seus lucros com a sorte que lhes acometeu.
Na
roleta russa de fatos aleatórios que geram repercussões virais, a próxima bola
da vez pode muito bem ser você ou sua organização.
Não
está convencido? Estou exagerando? Um caso análogo ao do vestido nunca poderia
envolver um Fundo de Pensão, por exemplo?
Mas
os ingredientes estão todos dispostos, como um mato seco esperando uma bituca
de cigarro ainda acesso para dar início a um incêndio!
Veja só: para uma mensagem se dissipar é necessário,
essencialmente, que exista um emissor, um receptor e um canal para permitir a conexão entre eles. Esses são os
elementos que compõem a teoria da comunicação, postulada há longa data pela
humanidade. O que de fato tem mudado de uma maneira vertiginosamente rápida é o
último elemento, o canal. Todos estão conectados e se comunicam de forma
praticamente instantânea. E quanto mais interessante for a mensagem, mais longe
ela chega.
Indiretamente,
por alguns graus de distância, você esteve nesses últimos dias conectado à
jovem moça de 21 anos que postou a foto do vestido em seu Tumblr. Mesmo de
forma indireta, a mensagem progrediu rapidamente até lhe atingir.
O terreno é ainda mais fértil, então, quando há conexão
direta. O que dizer de redes sociais que já existem no “mundo
real” e se conectam no virtual, por meio de grupos do Whatsapp ou pela linha do
tempo do Facebook? Aqui a comunicação é intensa de tal forma que aquele que não
fizer parte da conexão virtual corre o risco de ser alijado da rede social
real!
Participantes e assistidos possuem conexões entre si que são
muito mais próximas do que imaginamos. Afinal, se fazem parte de um plano de
previdência complementar fechado é porque, por força da lei, há
algum vínculo comum entre todos eles! É provável que tenham trabalhado na mesma
empresa, que frequentem as mesmas rodas sociais, que possuam renda, perfis e
interesses semelhantes e que, portanto, estejam muito próximos uns dos outros
nos canais reais e virtuais de comunicação.
E é
nesse meio que a boa mensagem, de interesse comum, trafega fácil, de forma
instantânea. Se houver uma polêmica envolvida, como a do vestido, melhor ainda:
todos rapidamente estarão falando sobre ela e, com ou sem o devido conhecimento
de causa, terão uma opinião formada sobre o assunto.
Trago
um exemplo cotidiano: há alguns meses, não completa um dia sem que eu consulte
as redes sociais e me depare com um longo e intenso debate sobre a suposta
necessidade de equacionamento de déficit em um dado plano de previdência
complementar. E isto não ocorre comigo porque trabalho numa empresa do setor.
Não, não tem nada a ver. É porque possuo alguns amigos em comum que trabalham
ou trabalharam em uma empresa cujo plano já registra déficits consecutivos nos
últimos exercícios e que, a depender dos resultados de 2014, poderá ser
legalmente exigido a propor um plano de equacionamento. A cada mensagem as
pessoas se dividem e, inevitavelmente, falácias e acusações infundadas se
misturam a fatos legítimos, confundindo ao invés de informar. Sem que eu faça qualquer
juízo de valor se as bases desta discussão estejam corretas ou não, a acalorada
contenda resulta negativa para a imagem deste Fundo de Pensão e, porque não
dizer, de todo o setor, que se vê associado com acusações de má gestão,
corrupção, e daí para pior, sem que o próprio venha a público através dos
mesmos canais onde ocorrem as discussões e dê clareza ao que está ocorrendo.
Como
sua organização pode lidar com isto?
Reconhecer
que a comunicação mudou profundamente, que continuará mudando e que isto lhe
afeta é o primeiro passo.
É
necessário, então, saber ouvir. Acompanhar os debates e estar inserido nos
mesmos grupos sociais de seu público, e pelos canais adequados. Não podemos
fechar os olhos para o que ocorre e acreditar que, apenas através de relatórios
anuais, revistas trimestrais e outros meios de comunicação periódicos e
unilaterais, que usamos há décadas, estaremos sendo bons comunicadores daqui
pra frente.
Além
disto, saber a hora de se manifestar e, ao fazê-lo, ser transparente em sua
mensagem o ajudará a se tornar alguém em quem as pessoas possam confiar. Isto é
algo fundamental para que a informação correta seja entregue e para evitar que
mensagens infundadas se propaguem.
Se
possível, crie um elo de comunicação sadio com seu público e alimente-o com
mensagens de interesse comum, formando assim uma rede confiável e estruturada.
Tais
medidas irão não apenas contribuir para uma melhor imagem da organização, mas
também permitir a gestão dos diversos riscos associados a falhas no processo de
comunicação. Mensagens erradas ou fatos mal esclarecidos podem derrubar
gigantes; por outro lado, uma postura proativa e conectada é efetivamente
transformadora e positiva.
Avalie
se a sua organização está se comunicando com seu público como deveria. Se necessário,
invista em melhorias e aja tempestivamente. Os resultados certamente serão
positivos.
Antes
de encerrar este artigo, quero lembrar que o episódio nos traz ainda mais uma
lição: as pessoas enxergam o mundo de formas diferentes e é isto que torna o desafio
de comunicar ainda maior! Mesmo algo líquido, certo e a princípio inconteste,
como a cor de uma peça de vestuário presente em uma foto, foi objeto de
interpretações diametralmente opostas, o que gerou uma interessante polarização
com representantes dos dois lados defendendo, categoricamente, seus pontos de
vista. E quando a mensagem não for assim tão clara quanto uma foto?
Haja
aprendizado em cima de um simples vestido!
Guilherme Brum Gazzoni - Administrador, Pós-Graduado em Finanças pelo
IBMEC, e Especialização em Entrepreneurship pela Babson College – Boston /
Massachussets, é Diretor Administrativo e Comercial da GAMA Consultores
Associados.