Uma lupa nos adoçantes
Adoçantes não são inertes e podem desregular o controle da fome e o
metabolismo.
As novas normas para rotulagem nutricional objetivam
melhorar a legibilidade das informações acerca dos alimentos embalados.
A maior
inovação é o rótulo frontal. Para que o consumidor seja devidamente
esclarecido, uma lupa foi criada com a função de designar produtos com alto
teor de sódio, gordura saturada e açúcar adicionado.
Mas seriam os produtos
livres do alerta realmente mais saudáveis?
Tomemos o exemplo dos que contêm
açúcar adicionado. Manda a nova regra que alimentos sólidos e semissólidos com
a adição de 15 g ou mais de açúcar por 100 g de alimento carreguem a lupa.
O
mesmo vale para alimentos líquidos adicionados com 7,5 g por 100 mL de
alimento.
Agora vejamos algumas
contradições. Considere dois alimentos com valores adicionados de açúcar bem
distintos: um com 15%, outro com 60%. Ambos carregam o mesmo peso da lupa.
Agora imagine dois alimentos com teores de açúcar adicionado quase idênticos:
um com 15%, outro com 14%. Enquanto o primeiro leva a chaga da lupa, o segundo
livra-se dela.
Ademais, como vimos, a inclusão da lupa obedece a uma quantidade
pré-definida de alimento (100 g ou 100 mL), que não leva em conta o tamanho de
sua porção.
Daí se infere que, eventualmente, grandes porções de produtos sem a
lupa podem oferecer mais açúcar do que pequenas quantias de alimentos com o
alerta.
Como se nota, o poder do alerta
frontal em discriminar alimentos mais ou menos saudáveis é bastante discutível.
Mas aí vem o pior. Como o
consumidor foge da lupa, a indústria foge dela mais do que o
diabo da cruz.
E a manobra para se safar do temido símbolo, no caso do açúcar,
consiste em substitui-lo, parcialmente, por adoçantes (também chamados de
edulcorantes), cuja segurança é alvo de controvérsia.
Há pouco, a Agência
Internacional de Pesquisa em Câncer enquadrou o aspartame, um adoçante
artificial disseminado, como possivelmente cancerígeno, classe ocupada por
substâncias que demandam mais e melhores estudos para que sua relação com a
doença seja acuradamente estabelecida.
A OMS também conduziu uma ampla
revisão sobre o papel dos adoçantes na obesidade, e concluiu que a troca do
açúcar por esses aditivos não ajuda a controlar o peso.
Se em
humanos ainda é dada como incerta a suspeita de que edulcorantes causam ganho
de peso, não deixa de ser curioso que estes sejam empregados, com sucesso,
na engorda de porquinhos.
A realidade é que os adoçantes
estão longe serem inertes como se imaginava.
É o que indica, por
exemplo, uma pesquisa conduzida
com pessoas saudáveis que consumiram sucralose, um dos adoçantes mais
consumidos mundialmente, em conjunto com açúcar.
Decorridos 10 dias, avaliações
por ressonância magnética revelaram que o combo açúcar-adoçante (que se faz
presente na maioria dos produtos) provocou disfunções cerebrais ao gosto doce,
com consequente piora na sensibilidade à ação da insulina.
Esse achado se
reproduziu com maior gravidade em 2 adolescentes, forçando a equipe a
descontinuar a investigação com esse grupo, por razões éticas.
E não anda nada fácil escapar
dos adoçantes. Se antes eles se restringiam, essencialmente, a produtos
"diets" ou "lights", hoje são onipresentes, em franco
avanço sobre o mercado infanto-juvenil.
Não surpreendentemente, um estudo demonstrou que mais de um
terço das pessoas que acreditavam não consumir adoçantes apresentavam traços
deles na urina. Sim, caro leitor, à revelia, estamos todos expostos a esses
aditivos.
Não há recomendação para que
pessoas saudáveis usem adoçantes.
Além de não promoverem benefícios à saúde,
eles são associados com alterações em bactérias intestinais, distúrbios
metabólicos, imunológicos e hormonais, e aumento do consumo alimentar.
Além disso,
nada se sabe sobre os efeitos combinados de edulcorantes (em que pese que boa
parte dos produtos traga dois ou mais deles em sua composição).
Tampouco se
conhece o impacto ambiental desses aditivos (a sucralose, por exemplo, foi detectada em lençóis
freáticos e águas de superfície e residuais).
Ante tudo o que se sabe – e o
que não se sabe – sobre a segurança dos edulcorantes, convém evitá-los, assim
como os produtos adoçados artificialmente.
Na era do "com açúcar ou com
adoçante", readaptar o nosso paladar a alimentos naturalmente doces é
tarefa das mais árduas.
A lupa é um alerta imperfeito para produtos que devem
ser evitados, no que se inclui os adoçantes (alô, Anvisa!). Preferir alimentos
sem rótulo resta como a recomendação mais sensata.
BRUNO GUALANO -
professor do Centro de Medicina do Estilo de Vida da Faculdade de Medicina da
USP. Também é autor de 'Bel, a Experimentadora'.