Redes sociais devem ser
reguladas pelo comportamento do usuário
Problemas causados por elas já são questão de saúde pública.
Enquanto em Brasília os deputados estão ocupadíssimos espoliando os povos indígenas, o debate sobre a regulação das redes sociais
arrefeceu bastante, e sabe-se lá quando há de voltar à berlinda legislativa.
Nesse meio-tempo, é um bocado desesperador perceber como as propostas de
enfrentar o problema ignoram completamente uma de suas raízes.
Que o leitor não me entenda mal:
é claro que passou da hora de criminalizar e extirpar discursos de ódio e
ameaças de violência com os mesmos mecanismos que permitem a punição deles no
mundo offline.
A questão aqui é outra. Por mais expeditas que sejam as
retaliações, e por mais que elas pesem no bolso da indústria da tecnologia, elas
continuarão sem mexer na arquitetura comportamental que é parte indissociável
do atual horror online.
Os mecanismos de produção em massa de ansiedade, formação de
bolhas ideológicas e caixa de ressonância de extremismos estão embutidos na
maneira como funcionam as "timelines".
O botão de "rolar para
baixo" infinito, os "joinhas" ou "desjoinhas" dos
vídeos e as caixas de comentários não são mecanismos neutros. Foram feitos para
maximizar "engajamento" —o tempo gasto por bilhões de usuários
naquele ecossistema— à custa de que seja possível com uma conversa humana
decente.
E, na internet, o fato é que não
existe engajamento ruim. Raiva e ódio "engajam" com tremenda
facilidade e ajudam a espalhar conteúdos, frequentemente entregando ideias
extremistas na porta virtual de quem jamais ouviria falar dos reptilianos, dos
machos sigma ou do Foro de São Paulo em seu habitat natural.
Levando tudo isso em conta,
qualquer intervenção que não propuser regular a maneira como as big techs estão
usando esses padrões de incentivos comportamentais estará, na
melhor das hipóteses, atacando apenas parte do problema.
É preciso usar as
ferramentas da psicologia social para projetar —e exigir das redes— uma lógica
que desfaça esse tipo de nexo nefasto. E, veja só, é possível fazer isso sem
regular diretamente o conteúdo.
O que abordei até agora também
é questão de saúde pública, além de ser caso de
polícia.
Começam a se acumular os estudos que mostram uma conexão considerável
entre a maneira como as redes sociais funcionam e o aumento de problemas de
saúde mental entre adolescentes e jovens nos últimos anos.
"Ah, mas é só não
acessar": o que aprendemos com a indústria do cigarro, do álcool e (cada
vez mais) da comida industrializada é que é burrice imaginar que a força de
vontade humana, desnuda, é páreo para esse tipo de incentivo.
Se regulamos severamente
anúncios de cigarro, por que diabos os algoritmos das redes sociais mereceriam
tratamento especial?
REINALDO JOSÉ LOPES - jornalista especializado em biologia e arqueologia, autor de
"1499: O Brasil Antes de Cabral".