Paradoxo de Abilene: o problema das decisões em
grupo
Fenômeno diz
respeito a conjunto de pessoas que faz escolhas que contrariam a preferência da
maioria ou totalidade dos membros
Numa
tarde quente em Coleman, Texas, a família está jogando dominó, quando o sogro
sugere irem jantar em Abilene, a 80 km.
A filha diz que é ótima ideia. O genro,
apesar de achar a viagem desconfortável, vai com o grupo: "Sim, só espero
que a tua mãe tope". E a sogra: "Claro, há muito tempo não vou a
Abilene".
A
viagem é quente, poeirenta e longa. E o jantar é igualmente ruim. Voltam a casa
quatro horas depois, exaustos.
Um deles diz, desonestamente: "Foi ótimo,
não foi?". Mas a sogra confessa que preferia ter ficado em casa, só foi
porque os outros três estavam a fim.
O genro: "Eu não, eu só concordei
para agradar a todos". A filha: "Eu não estava louca de querer sair
naquele calor, só topei para deixar vocês felizes". E o sogro revela que
só propôs a ida por achar que os outros estavam entediados.
O
grupo senta-se, perplexo com o ocorrido: todos teriam preferido ficar em casa
e, no entanto, decidiram coletivamente fazer uma viagem que ninguém queria.
Esta histórinha apareceu no artigo "Paradoxo
de Abilene: a gestão do acordo", publicado em 1974 pelo especialista em
gestão norte-americano Jerry Harvey (n. 1935).
Ela ilustra um tipo de dinâmica
comum em decisões coletivas, que leva o conjunto a fazer escolhas que
contrariam a preferência da maioria ou totalidade dos seus membros.
Uma característica do paradoxo de Abilene, como
este fenômeno ficou conhecido, é a concordância no grupo de que a situação
atual não é satisfatória e algo deve ser feito (mas os membros podem achar as
alternativas ainda piores).
Outra característica é a falha de comunicação, que
leva os membros do grupo a expressarem como suas preferências que, de fato,
eles acreditam ser dos demais.
Finalmente, o paradoxo também se caracteriza
pela vocalização do consenso coletivo, construído a partir das interpretações
errôneas dos sinais dados por cada um dos membros.
Este fenômeno ocorre frequentemente em processos de
decisão em diferentes tipos de instituições, particularmente aquelas que
carecem de diversidade —grupos humanos homogêneos são mais conformistas— ou que
não dispõem de uma cultura interna de debate e resolução de conflitos.
Um
exemplo citado com frequência é o processo que conduziu ao trágico desastre do
vaivém espacial Challenger em 1986, em que diversos especialistas da Nasa adotaram decisões que lhes pareciam
inadequadas, apenas "para não chacoalhar o barco".
Por
vezes o paradoxo de Abilene é confundido com o fenômeno do "pensamento de
grupo" (em inglês: "groupthinking"), em que o coletivo toma
decisões que não seriam adotadas por seus membros e, portanto, causam
insatisfação.
Mas são fenômenos distintos: no pensamento de grupo os indivíduos
se auto-iludem, permitindo que suas convicções sejam moldadas pela
coletividade, enquanto que, no paradoxo de Abilene, os indivíduos fracassam em
perceber corretamente as preferências dos demais.
Mas
o antídoto para os dois fenômenos é parecido: promover comunicação interna
aberta, encorajar a diversidade de opiniões e criar uma cultura de debate em
que todos se sintam livres para expressar os seus pontos de vista.
MARCELO
VIANA -
diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e
Aplicada, ganhador do Prêmio Louis D., do Institut de France