Cringe mania
Favor
sair da frente, que o novo sempre vem.
A recente comoção com a palavra cringe levanta
o tema do envelhecimento e não dá para ignorar o espanto causado pelo pequeno
intervalo de idade entre quem está sendo zoado e quem zoa.
Quando a geração Z (dos nascidos entre
1995 e 2010) passa a ridicularizar os millennials (nascidos entre 1980 e 1994), ela transforma
pessoas na casa dos 20 anos em ex-jovens, dando margem a deliciosos memes e
piadas.
É claro que o maior prazer vem das gerações anteriores a 1980, que se
sentem vingadas.
É
comum as pessoas se sentirem ameaçadas pela forma como as novas gerações passam
a desprezá-las. Envelhecimento é uma carta que só chega ao seu destino tarde
demais e nem todo mundo abre.
Por
isso, a famosa crise dos 30 anos dá lugar à dos 40, dos 50 e assim
sucessivamente. Se você puxar pela memória, no entanto, verá que mesmo crianças
lamentam o fim da infância.
A
excelente reportagem de Marina Lourenço, Marina Consiglio e Carolina Moraes
(Folha, 23.jun) traz a história e as
interpretações do termo apresentadas didaticamente, revelando que ele vai
muito além da querela entre geração Z e millennials.
A
forma como perseguimos uma certa imagem de nós mesmos acaba por impedir que nos
movimentemos sem constrangimento.
Afinal, queremos corresponder à consistência
de uma foto, com seus retoques e melhores ângulos.
Abriu a boca, se mexeu e o
risco de passar vergonha e ser ridicularizado começa a valer.
Podemos
simplesmente nos constranger e rir ou —como habitual— passar a constranger os
outros para nos safar. As disputas aqui são muitas e encontram as mais
diferentes artimanhas.
A youtuber
Contrapoints, em vídeo longo e ultradidático, faz questão de propor uma
análise “psicanalítica” da palavra, embora faça uso de vasta terminologia
psicológica —tem até colinha no final.
O
vexame que alguns adultos dão sem perceber quando se põem a disputar lugares
com os mais jovens vai do risível ao tétrico.
E revela a forma como não são
capazes de suportar o lugar de rebotalho, como Lacan chamava o lugar do
analista.
A disputa por prestígio dá margem a mais críticas, cara de enfado e
olhos revirados, criando um ciclo patético. Insisto que o rir de si é,
disparado, o melhor remédio.
Como
diz o ditado popular “quem desdenha quer comprar”, ou seja, algo naquele que
desprezo me interessa. Pode ser de uma forma sádica ou empática mas,
certamente, não indiferente.
Se
juntarmos as duas questões veremos que nunca foi tão difícil assumir a passagem
do tempo em uma cultura na qual as redes sociais funcionam como retratos de
Dorian Gray.
Lá estamos sempre lindos, congelados no tempo, mesmo que à base de
muito Photoshop.
Mas
quando saímos para encontrar o bofe ao vivo e a cores, o que deveria ser
retrato revela-se assustadoramente real.
Essa é uma das hipóteses que
justificaria o desinteresse dos mais jovens pelos encontros sexuais, mesmo
antes da pandemia.
O
tema é curioso, ainda mais quando sabemos que a partir de 2022 a velhice será
considerada doença pela Organização Mundial de Saúde —o gene que a desencadeia
vem sendo pesquisado obstinadamente por cientistas de Harvard.
Se a velhice for
doença, poderá ser erradicada, tornando a imortalidade o novo produto na
prateleira capitalista, que os despossuídos jamais alcançarão.
Se
serve de consolo, a imagem de Elon Musk levando milionários imortais para
viver nos subterrâneos de Marte faz o inferno de Dante Alighieri parecer a
Disneylândia.
Sugiro
sairmos com graça e dignidade, quando nossa vez chegar.
VERA IACONELLI - Diretora do Instituto Gerar de Psicanálise, autora de “O
Mal-estar na Maternidade” e "Criar Filhos no Século XXI".
Fonte: coluna jornal FSP