Por que o coração bate?
Vamos começar pelo coração já pronto, e depois voltamos para o
início, quando nosso corpo ainda estava se formando.
O coração é uma estrutura
complexa, uma obra-prima que tem quatro câmaras: dois átrios, que recebem
sangue do corpo e o repassam para dois ventrículos, que então bombeiam o sangue
para grandes vasos.
E ele produz seus próprios impulsos.
Suas batidas são
controladas por sinais elétricos que se espalham pelas células das câmaras
cardíacas. Os átrios se contraem primeiro, para depois contrair os ventrículos,
e assim surge a batida que a gente conhece.
Em geral imaginamos o coração como uma grande estrutura, mas ele
não passa de um conjunto de células individuais: células musculares cardíacas
formam as camadas de músculo; algumas células ajudam na sustentação e na forma
do órgão; células nervosas coordenam os batimentos cardíacos e outras compõem
os vasos sanguíneos.
E é a interação entre todas elas que confere a habilidade
de bombear sangue ao coração, o primeiro órgão funcional a ficar pronto, ainda
quando somos um embrião.
Uma das maiores descobertas sobre seu desenvolvimento
foi constatar que muitas de suas células derivam de uma mesma célula-mãe logo
nas primeiras semanas de vida.
À medida que o embrião vai se desenvolvendo, as células se
diferenciam e se especializam, num processo comandado por sinais químicos.
Algumas enviarão sinais a suas vizinhas, que se transformarão em células
cardíacas, e por isso todas as células precursoras precisam estar no lugar
certo e na hora certa.
Por volta da terceira semana, o embrião é um sanduíche
de três camadas e o coração começa a surgir na camada intermediária a partir de
dois aglomerados de células que se diferenciam e originam outros tipos
celulares.
Num embrião humano com quatro semanas, o coração é um tubo de
duas câmaras que depois passará por um dobramento.
Nessa etapa as células já
fazem uma contração rítmica e há um fluxo de sangue, e essa pressão ajuda o
coração a se dobrar e formar as quatro câmaras enquanto o embrião cresce.
É por
essa pulsação precoce que uma gestante consegue ouvir as batidas do coração do
bebê logo nas primeiras semanas de gestação, quando o embrião ainda é muito
primitivo.
Se separarmos essas células musculares cardíacas que se contraem
e as pusermos em uma placa para serem cultivadas em laboratório, elas poderão
reproduzir o batimento cardíaco.
Se isoladas na placa, o batimento de cada
célula é independente; quando aumentam em número e se encostam, o batimento
começa a ser uníssono.
Essa habilidade fantástica já foi observada por
cientistas há mais de duas décadas e agora as pesquisas continuam, com o
intuito de fazer com que essas células pulsantes se desenvolvam num coração de
verdade, e de produzir tecido cardíaco a partir da transformação de outros
tecidos nossos, como a pele, e encontrar explicações e tratamentos para
diversas doenças.
E essas condições não são poucas: como vimos, com toda sua
complexidade, depois que o coração está pronto tudo precisa funcionar em
harmonia, como numa orquestra.
As câmaras e as passagens entre elas precisam
funcionar corretamente, as células devem bater no ritmo certo.
Caso isso não
aconteça, os batimentos podem ficar dessincronizados ou o volume de sangue
necessário pode não ser bombeado.
É por isso que as alterações cardíacas estão
entre os defeitos mais frequentes em recém-nascidos, e que as doenças
cardiovasculares estão entre as causas de morte mais comuns.
Há séculos os cientistas procuram compreender essa estrutura
fantástica, complexa e poética, no encalço de mais longevidade e qualidade de
vida para as pessoas.
Rossana Soletti - doutora em ciências morfológicas e professora da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.