Saiba como as redes sociais trocaram a lógica jornalística pela comercial.


Esta coluna vai surpreender você!

Saiba como as redes sociais trocaram a lógica jornalística pela comercial.

Esta coluna vai trazer uma informação ou opinião —ou quem sabe uma mistura das duas— que vai surpreender você. 

Mas não ainda, não tão depressa. Primeiro a gente precisa se conhecer melhor. Quem sabe no próximo parágrafo? Vem comigo!

Se para acessar este segundo parágrafo fosse preciso clicar em algum botão, transformando uma leitura vadia em algo concreto, contabilizável nas planilhas de audiência, seria assim que começariam quase todas as colunas nos dias de hoje.

Foi o que ocorreu, afinal, com grande parte das chamadas noticiosas que circulam pelas redes sociais

Em contraste com a notícia propriamente dita, que por definição precisa concentrar as informações fundamentais sobre determinado fato no menor número de palavras, o papel da chamada de internet é ser isca, teaser, provocar o clique.

Como se vê, o modelo informacional aqui não é mais o jornalístico, que por tradição tem —ou deveria ter— alguma vergonha na cara, além de um código de ética no bolso. O modelo é o puramente comercial, ou pior, o comercial com viés de picaretagem.

Acha que eu estou exagerando? Então clique no botão abaixo (brincadeirinha, não tem botão nenhum) e me diga qual é a diferença estrutural entre "Júri chega a um veredito sobre o caso X: saiba qual" e "Fique milionário em duas semanas: me pergunte como".

Para deixar claro a não iniciados: no modelo textual da notícia, seria obrigatório informar logo de cara que o júri condenou (ou absolveu) o réu. 

Depois disso, se a pessoa quisesse continuar a ler para saber dos detalhes do julgamento, beleza. Contudo, arriscar que o leitor se dê por satisfeito com a informação básica e vá embora parece estar além das forças contemporâneas.

Um aspecto curioso do "clique aqui para saber mais" (na verdade, para saber tudo) é que ele pode até ser aplicado a notícias de verdade, como no hipotético exemplo do veredito acima, mas é feito sob medida para o papo furado.

Difícil imaginar um acontecimento realmente bombástico –como, digamos, um ataque nuclear a Nova York– sendo economizado para a próxima tela: "Míssil atômico foi lançado contra Nova York: saiba se acertou".

No entanto, não-notícias se dão muito bem com esse esqueminha, ao qual devem sua própria existência. "Clique aqui para saber se uma tempestade devastadora se aproxima da sua cidade." Aí você clica e descobre que a previsão é de tempo bom.

O problema está muito longe de ser simples, mas convém reconhecer que é um problema. 

Quando empresas jornalísticas tradicionais entram nesse jogo – e todas acabam entrando, umas com mais volúpia, outras menos –o fazem em busca de sobrevivência num mundo que as redes sociais viraram de pernas para o ar.

No entanto, embora todo produto de comunicação sempre tenha sido feito com a intenção de ser consumido, de repercutir, de vender, a lógica da pura contagem de cliques provoca uma corrosão lenta e segura no patrimônio de credibilidade que um dia foi o padrão-ouro desse negócio.

Sobre isso, vale ler a coluna mais recente do ombudsman da Folha, José Henrique Mariante, intitulada "O profundo necessário".

E a quem vier com darwinismo de almanaque, observando que o mundo mudou e que os defensores de velhos padrões —como credibilidade, responsabilidade, relevância social etc– têm mais é que morrer, convém lembrar que isso pode acabar mal.

Clique aqui para saber como.

SÉRGIO RODRIGUES - Escritor e jornalista, autor de “A Vida Futura” e “Viva a Língua Brasileira”.

 

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