Na semana passada, tive uma discussão muito interessante com um
amigo que eu não via há um bom tempo, o Adeodato “Dato” Netto, que,
recentemente, fundou a Eleven Financial (www.elevenfinancial.com),
uma empresa de researchfocada em renda
variável, voltada para empresas de menor porte e que se beneficia da
experiência dele com empresas de capital fechado.
A propósito, a Eleven Financial oferece uma interessantíssima newsletter com análises financeiras e comentários
econômicos, que eu mais do que recomendo.
Uma
coisa curiosa sobre a nossa amizade é que fomos aproximados, há alguns anos,
exatamente pelas nossas diferenças.
O Dato é um ferrenho defensor do investimento em empresas de
capital fechado (private
equity, venture capital etc), enquanto eu tenho “os dois pés
atrás” com esse tipo de investimento (algo que poderá mudar após uma revisão
dos meus conceitos em um futuro próximo…). Eu sou “bolsa de nascença” e prefiro
empresas de capital aberto, especialmente para aqueles investidores menos
abastados e sofisticados. Mas, apesar dessas divergências, nos tornamos amigos
e temos um grande respeito mútuo. Chegamos até mesmo a trabalhar em alguns
projetos em conjunto (e não nos matamos!).
Pois bem, nesse nosso reencontro recente, encontramos mais uma
diferença de visão. Eu sou (nenhuma novidade…) um entusiasta do Tesouro Direto.
Já o Dato…. adivinha só, não é um grande fã.
O argumento dele é mais moral do que técnico, mas ainda assim é
interessante, e tenho certeza que alguns leitores vão concordar. Ao emprestar
para o governo, via Tesouro Direto ou outros meios (como os fundos que investem
em títulos públicos), estamos criando um incentivo pernicioso para que o
governo siga se endividando de forma irresponsável.
Isso não invalida a tese de que o Tesouro Direto é um excelente
investimento (aliás, enquanto escrevo este texto, vejo taxas de quase 8% ao ano
acima do IPCA em alguns títulos – isso me faz salivar!). O próprio Dato admitiu
que é difícil competir com a atratividade dessas taxas de juros, mas, como
cidadãos, fica complicado a gente reclamar da irresponsabilidade fiscal do
governo ao mesmo tempo em que emprestamos dinheiro para ele. É mais ou menos
como emprestar dinheiro para uma pessoa viciada, que você tem certeza que vai
usar o dinheiro no cassino ou para encher a cara…
O cerne do nosso debate foi: Investir no Tesouro Direto é algo
imoral? Bem, considerando a atual situação do governo, o caos fiscal e os
escândalos de corrupção, talvez a coisa mais “moral” a se fazer fosse, de fato,
tentar sufocar o governo, financeiramente, de todas as formas possíveis, não
emprestando dinheiro e procurando minimizar o pagamento de impostos (pelas vias
legais – ressalto que não estou, de forma alguma, pregando desobediência
tributária, que pode até ser algo moral, mas é ilegal e pode ter consequências
um tanto “desagradáveis”…).
Mas, enfim, como a gente sai deste dilema? O universo das
finanças pessoais é um pouco “amoral” nesse sentido. As finanças pessoais e, em
particular, a educação financeira, até têm uma preocupação com a sociedade e
com a coletividade; porém, o foco é no indivíduo (ou em grupos próximos, como
famílias). O elemento “pessoal” é muito forte nas finanças pessoais (está no
nome!).
Vendo pelo ponto de vista estritamente técnico e financeiro, é
difícil achar algo melhor é mais seguro que o Tesouro Direto neste momento. O
senso comum das finanças pessoais prega algo como “tome as decisões que são
mais benéficas para você e que maximizem o valor dos seus recursos”. Leia-se:
“invista no Tesouro Direto”, ainda que o dinheiro não vá ser usado da forma que
você gostaria…
Já pelo lado moral, a resposta nem sempre é tão clara. Alguns
podem considerar que a coisa correta a fazer é parar de alimentar o governo.
Outros podem argumentar que um governo ruim é melhor que governo nenhum, então
é melhor ajudar a financiar a dívida pública ainda assim. Outros, ainda,
simplesmente “gostam” do governo (eu hein!?) e emprestam de bom grado. E um
outro grupo de pessoas simplesmente prefere não pensar no assunto e vai atrás
das melhores condições de investimento, sem dar muita bola para as questões
morais.
Bem, do meu lado, acho que estou ficando velho (e também um
pouco cínico) e isso me deixa um tanto descrente na capacidade (e intenção) das
pessoas em influenciar as atitudes do governo (pelo menos pela via financeira).
Vou continuar investindo naquilo que acho melhor (e incentivando as pessoas a
fazerem o mesmo) e torcer para que nosso povo, um dia, aprenda a tomar melhores
decisões: sejam de investimento, sejam de consumo ou sejam políticas…
André Massaro -
escritor, palestrante, consultor financeiro
Fonte: http://exame.abril.com.br/