Em atividades rotineiras, às vezes os olhos mais atrapalham do que ajudam
Guaxinins são Houdinis da neurociência. Esses carnívoros com cérebro de gato mas tantos neurônios quanto em um cachorro são mestres em resolver problemas, abrir portas, trancas e fechaduras e escapar de gaiolas. Kelly Lambert, especialista em psicologia do comportamento na Universidade de Richmond com quem colaboro em um projeto sobre as habilidades cognitivas desses animais, adoraria manter uma colônia de guaxinins no laboratório, mas está por ser criado um viveiro que eles não abram.
Se há truques que eles aprendem por observação, contudo, na hora de arrombar fechaduras, guaxinins guiam seus movimentos sem olhar para as mãos.
Guaxinim no zoológico Royev Ruchey, na cidade russa de Krasnoyarsk
Em visita recente ao meu laboratório em Nashville, Lambert, intrigada com esse hábito peculiar desses animais, fez uma demonstração, estendendo as mãos à frente para manipular um objeto invisível –mas olhando para trás, sobre o próprio ombro. Essa é a postura normal de um guaxinim aprontando seu escape. Por que não olhar para as mãos? Nós, humanos, aprendemos a sempre olhar para o que as mãos estão fazendo. Somos mais sofisticados do que guaxinins?
Vejo Lambert imitar o guaxinim olhando sobre o ombro e tenho um estalo de identificação com os animais. Semanas atrás, ao me ver com dificuldade de enxergar o braço do violão por causa dos óculos progressivos, sempre na distância errada, meu professor de violão clássico me desafiou a tocar de olhos fechados, ou olhando para longe.
Ah, os professores e as pequenas coisas maravilhosas que só eles podem fazer ao nos olhar de fora e enxergar o que não se vê de dentro.
Sim, olhar para o que se faz com as mãos é importante no começo, enquanto o córtex parietal aprende a juntar a informação que vem separadamente dos córtices que mapeiam o tato, a propriocepção e a visão das mãos, respectivamente. Tal mapa mental integrado orienta os movimentos e vai atualizando os planos para o que vem a seguir de acordo com o resultado das próprias ações, num círculo virtuoso que só faz melhorar com a prática.
Até que a visão, ao se tornar desnecessária para guiar as mãos, começa a atrapalhar. Agora entendo por que Yamandu Costa toca seu violão de sete cordas sempre de olhos fechados. Não é só porque ele pode (bom, talvez seja); é porque com um certo nível de proficiência, os olhos trazem informação desnecessária que logo se torna intrusiva, ao roubar “banda” no cérebro.
Passada a hesitação inicial, agora não quero outra coisa. Estou reaprendendo a tocar meu repertório muito melhor olhando pela janela. Virei guaxinim!
Suzana Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA)
Fonte: coluna jornal FSP