Em um país famoso por seus bons produtos de couro e senso de
moda, a prática de engraxar sapatos foi importada. Começou durante a Segunda
Guerra Mundial, quando os soldados americanos e britânicos pagavam a meninos na
rua para lustrar suas botas, às vezes em troca de chocolates e cigarros.
Até uma
das maneiras de chamá-lo, “sciuscià”, como mostrado no filme homônimo de
Vittorio de Sica de 1946 (no Brasil, “Vítimas da Tormenta”), vem do dialeto
napolitano que imita o som da palavra inglesa “shoeshine” (engraxate).
O
serviço não costuma ser associado a mulheres, mas isso passou a mudar na
Itália.
Eleonora
Lovo é o mais recente exemplo. Hoje com 43 anos, Lovo caminha por Verona, no
norte da Itália, com sapatos masculinos pretos, saia abaixo do joelho, blusa
branca e grandes óculos pretos ovais. De seu braço pendura-se uma bolsa
retangular de couro marrom cheia de sapatos polidos, que ela pega e devolve aos
clientes.
Sua
oficina é um canto da sala de estar da família. Cercada por livros de arte,
cera de abelha, graxas coloridas, escovas e um relógio cuco, ela começa a
escovar a poeira e a sujeira de um de seus “bebês” e descreve o trabalho que é
sua paixão. “Não acho que seja um serviço só para homens”, disse Lovo. “Sempre
amei os sapatos masculinos. Eles têm uma história, pelos modelos, os modos como
são costurados. Os sapatos femininos simplesmente não têm isso.”
Ela
aprendeu a arte e a técnica de tratar o couro em livros e em um curtume local,
e começou a engraxar sapatos para sua família e amigos.
Lovo
não é a primeira mulher engraxate da Itália. Em 2000, outra empresária,
Rosalina Dallago, 51, abriu uma loja no centro de Roma.
Uma
ex-modelo e dona de restaurante, Dallago escovou os sapatos da elite italiana,
incluindo o ator Alberto Sordi e diversos políticos. Como ela gosta de dizer,
sua pequena oficina se aninha entre o “sagrado” — a igreja de San Lorenzo in
Lucina — e o “profano”— a câmara baixa do Parlamento.
“Quando
peguei esta loja, o proprietário de 72 anos me deu suas escovas”, disse
Dallago, mostrando escovas feitas de madeira e crina de cavalo. “Foi uma
verdadeira passagem de bastão. Tive vontade de chorar.”
Em 16
anos, Dallago teve um balcão de engraxate no aeroporto de Fiumicino e outro em
um clube, teve um programa de televisão e deu cursos de empreendedorismo para
mulheres.
Seu
negócio, retratado como uma nova maneira glamourosa e sexy de lustrar sapatos,
foi mostrado em publicações da Alemanha ao Japão.
Uma
cidade como Roma tinha menos de dez engraxates mesmo nos dourados anos 1950. E
eram todos homens.
Tommaso
Cancellara, o executivo-chefe da Micam, a principal feira de calçados da
Itália, disse que o uso de cremes para polir calçados profissionais está em
ascensão, e lojas que oferecem ao mesmo tempo serviços de barbearia, engraxate
e camisaria abriram em cidades de toda a Itália desde 2014.
Ser
mulher nessa profissão, segundo Lovo e Dallago, pode representar uma vantagem.
“Sou
uma mulher cavalheira”, disse Lovo. “Não posso ver homens bem vestidos andando
com sapatos sujos. Foi simplesmente por isso que comecei a engraxar sapatos.”
Gaia Pianigiani – jornalista do New York Times