Pessoas com deficiência são vistas como 'projetos'
em relacionamentos
Decidir
como e quando compartilhar suas informações de saúde os deixa entre a
vulnerabilidade e vigilância.
Para preencher seu perfil no aplicativo de namoro
Hinge, o usuário responde a perguntas que pedem uma resposta explicativa.
Quando a profissional de marketing Hannah Foote, 22, de Phoenix, compartilhou
"direitos das pessoas com deficiência" como uma causa
social que ela defende, as respostas que recebeu foram reveladoras: as pessoas
que deram "match" com ela a qualificaram como "santa" por
ter esta preocupação.
Não sabiam que a própria Hannah era uma dessas pessoas.
Hannah tem uma doença genética que provoca falta de
ar, fadiga, tontura e desmaios frequentes.
Sua condição física acrescenta uma
camada adicional de complexidade ao mundo já confuso da busca online por
relacionamentos.
Hannah já recebeu mensagens inapropriadas de pessoas com quem
deu match e que a declararam "bonita demais para ser deficiente".
Outras
lhe fizeram perguntas intrometidas sobre sua vida sexual.
"Não estavam querendo saber de mim – com o que
eu me sinto à vontade", disse. "Estavam perguntando o que sou capaz
de fazer para lhes dar prazer."
Longe do mundo online, Hannah enfrenta outras
dificuldades quando quer sair com alguém: ela pode concordar em sair com a
pessoa, mas quando chega a hora, pode não se sentir em condições físicas para
isso.
Se é convidada para um show, ela não sabe quanto tempo vai conseguir
ficar em pé. E ela tem consciência aguda de como pensa que os outros a
enxergam.
"Por causa de meus problemas físicos, as
pessoas me veem como um projeto a encarar", disse Hannah. "E muita
gente na casa dos 20 anos não está à procura de um projeto."
Estimados 133 milhões de americanos sofrem de pelo
menos um problema de saúde crônico como doença cardíaca, respiratória ou
mental.
Mas o estigma ainda associado a isso pode dificultar ainda mais a busca
de um relacionamento, um esforço que mais de metade dos adultos americanos já
descreve como difícil.
Decidir como e se falar desses problemas de saúde
com potenciais pretendentes pode deixar as pessoas percorrendo uma corda bamba,
hesitando entre revelar sua vulnerabilidade ou proteger-se.
"No início de qualquer coisa, você está
tentando decidir sobre o grau correto de franqueza e o grau correto de
limites", disse Quincee Gideon, psicóloga de Los Angeles especializada em
trabalhar com pacientes que têm doenças crônicas.
"Você não deve se sentir
na obrigação de revelar tudo, mas tampouco deve sentir vergonha de revelar. O
dilema é esse."
A DECISÃO DE
ABRIR O JOGO É PESSOAL
Quando Joseph Kibler começou a usar aplicativos de relacionamento, em 2009, ele
fez experimentos para descobrir a melhor maneira de compartilhar informações
sobre sua saúde.
O ator, que vive no Brooklyn, tem 33 anos e curte conhecer
restaurantes e tocar instrumentos musicais, nasceu com HIV e complicações neurológicas que
afetam sua coordenação motora fina.
Depois de sair num primeiro encontro com uma pessoa
que pareceu ficar chocada com seu problema físico, Kibler criou três perfis
diferentes no OKCupid.
Em um perfil ele postou apenas sua foto; em outro,
revelou que usa cadeira de rodas ou muleta; no terceiro, compartilhou tanto sua
deficiência física quanto o fato de ter soropositivo.
Joseph criou os perfis diferentes por uma questão
de curiosidade: queria saber qual dos três atrairia mais interesse romântico.
Disse que o segundo perfil geralmente atraía o maior número de mensagens.
A professora de psicologia Elizabeth Mazur, da
universidade Penn State Greater Allegheny, pesquisou pessoas com problemas de
saúde debilitantes para saber sobre suas experiências de busca de
relacionamentos online e se elas optam por compartilhar informações sobre sua
saúde.
Suas conclusões sugerem que os apps de relacionamento podem ser uma
maneira de pessoas com deficiência definir como elas próprias vão revelar essas
informações e quando o farão.
"Não existe uma resposta certa ou
errada", disse Mazur. "Eu esperava concluir meu estudo com
recomendações, mas cada pessoa tem uma filosofia diferente, e as pessoas não se
dividem entre as que deixam suas deficiências invisíveis ou invisíveis."
Alguns participantes do estudo não compartilham
informações sobre saúde em seus perfis, enquanto outros o fazem. "Existe a
ideia de usar esse fator para excluir pretendentes que podem não interessar à
pessoa", pontuou.
Joseph, que hoje está noivo, disse que encara o
fato de ter HIV e a deficiência física como um "sistema pronto" para
filtrar as pessoas com quem interage.
"Eu me desloco pelo mundo de cadeira
de rodas, com muletas e andando", ele disse. "E vejo na cara das
pessoas diariamente quem me entende e quem não."
Compartilhar informações de saúde é uma decisão
pessoal, disse Rachael Rose, educadora sexual e coach de relacionamentos que
vive em Filadélfia e tem mastocistose sistêmica indolente, uma condição rara
que afeta seu cotidiano.
Mesmo assim, ela frequentemente aconselha seus
clientes a "abrir o jogo". Desse modo, apontou, se uma pessoa não se
interessa em continuar a conhecer você ou não se mostra disposta a se adaptar
para estar com você, você já saberá que ela não é a pessoa certa em quem
investir.
Mas revelar tudo pode suscitar reações diversas.
Hannah Foote, que recebeu respostas sexualmente explícitas depois de
compartilhar suas condições em apps de relacionamento, guardou capturas de tela
das mensagens mais absurdas e pensou em postá-las no fórum de discussões online
Reddit.
Acabou mudando de ideia, e em vez disso as compartilhou com amigos com
deficiência que tiveram interações semelhantes.
Não existem muitos dados sobre a frequência com que
pessoas com doenças crônicas enfrentam assédio em apps de relacionamento, mas a
pesquisa de Mazur sugere que o assédio e a fetichização são especialmente
agudos no caso de mulheres com deficiências visíveis.
Mazur disse que já conheceu mulheres do grupo que
viveram situações em que pessoas sexualizam suas condições, mas nunca ouviu a
mesma queixa de homens.
O assédio, independentemente da deficiência, segue a
mesma diferenciação de gênero. As mulheres denunciam mais assédio que os homens
quando buscam relacionamentos online, ela disse.
MOSTRAR SUA
REALIDADE PODE FACILITAR A BUSCA
A autorrevelação – o processo de revelar
informações pessoais próprias de maneira aberta ou implícita —é uma parte
importante de qualquer relacionamento que está tomando forma.
Compartilhar
informações sobre sua saúde pode ser algo especialmente empoderador para
doentes crônicos que encaram estigmas e vergonha internalizados, disse Gideon.
E para qualquer pessoa que precisa que um potencial parceiro se adapte às suas
condições, a revelação pode criar o espaço necessário para que suas
necessidades sejam supridas.
A designer gráfica Kerra Macdonald, 33, de Napa,
Califórnia, tem fibromialgia, uma condição crônica que causa dor músculo-esqueletal
e perturbações do sono, além de síndrome da fadiga crônica.
"Mesmo que o encontro seja algo que para a
maioria das pessoas parece relativamente simples, como sair para um jantar,
chegar lá de carro é fisicamente cansativo. Me arrumar para sair é fisicamente
cansativo", disse Kerra.
Ela aprendeu a administrar sua energia de modo a
prevenir exacerbações da doença. Antes de sair para um encontro, ela evita fazer tarefas domésticas ou mesmo cozinhar uma refeição, porque essas
atividades podem ser exaustivas. E ela programa um tempo para recuperação
depois do encontro.
Kerra descobriu que quando revela sua identidade a
seus potenciais parceiros – como mulher que tem uma doença crônica e que é
trans –, isso a ajuda a ficar mais aberta a uma conexão romântica.
"Às vezes as coisas necessárias para pessoas
que têm doenças crônicas, tipo cancelar um encontro na última hora, são vistas
no mundo do namoro como sinal de que você não é alguém em quem vale a pena
investir", comentou Iman Rahman, 22.
Ela tem a síndrome de Ehlers-Danlos, uma doença
dolorosa do tecido conjuntivo que afeta a mobilidade, e possui uma conta no
Instagram que divulga as vozes de pessoas deficientes não brancas.
Mas quando
ela transmite suas necessidades para alguém com quem quer sair e é atendida,
seu entendimento da conexão romântica se aprofunda.
"Ter alguém que se adapta às tuas necessidades
por uma questão de amor e gentileza é uma coisa muito curadora", disse
Iman.
"A intimidade deficiência é muito bela. É quando sua namorada lhe
manda saquinhos de êmese, sabendo que você anda vomitando com frequência. É
quando a outra pessoa está a par dos aspectos mais vulneráveis de sua vida e
cuida de você."
ABORDE O
ASSUNTO COM CUIDADO
Se alguém está interessado em compartilhar suas
informações de saúde com potenciais parceiros românticos, Rachael Rose, a
educadora sexual e coach de relacionamentos, sugeriu que a pessoa siga um
roteiro. Primeiro, decida o que você quer com essa conversa.
Depois informe à
outra pessoa que você quer conversar. Se estiver preocupado com o que a outra
pessoa poderá dizer, pode começar por compartilhar esse receio.
"Às vezes o simples fato de expressar seus
receios em voz alta pode ajudar a reduzir a ansiedade", disse Rose.
Em seguida você
pode compartilhar com o outro até onde se sente à vontade e dizer o que
gostaria de ver acontecer, isto é, se você gostaria de alguma coisa. Para
concluir, agradeça à pessoa por lhe ouvir.
Mas muitas pessoas compartilham a notícia de suas
doenças crônicas sem ter essas conversas.
Os usuários de apps podem postar uma
foto de perfil ou mencionar informações de saúde em seu perfil, como fez
Joseph. Independentemente de como uma pessoa decidir divulgar um problema
médico, o foco dela estar em se sentir segura e apoiada quando o divulga, disse
Gideon.
Quando você se prepara para compartilhar sua doença
ou deficiência, disse Gideon, buscar apoio de seu círculo de amigos e
familiares pode te ajudar a passar pelo processo. Desse modo, "não importa
qual seja a reação da outra pessoa, você terá alguma maneira de se acalmar e
estabilizar".
Tradução de Clara Allain
THE NEW YORK TIMES