Como
ninguém reconhece a importância da ciência dos sistemas complexos,
quando há alguma falha catastrófica num sistema assim (ou seja, quando alguma
desgraça fora do padrão habitual chega à mídia) – a reação usual é culpar algum
agente ou processo, designar alguém para consertar o defeito, e dizer que as
autoridades estão providenciando mais verbas. É o que está acontecendo neste
momento na saúde do Rio de Janeiro. Eleger um “culpado” e propor intervenções
“locais” é um vício eterno e um viés perverso que nunca resolve problemas
complexos como é o do sistema de saúde. Voltarei à saúde no estado do Rio no
próximo post, mas veja este exemplo de como nossas autoridades pensam mal (e de
como uma minoria delas está pensando bem).
No início de 2015 alguma autoridade federal
da área da saúde defendia iniciativas para forçar a queda do número de partos
por cesarianas que está fora de limites aceitáveis no Brasil.
Sem
tomar partido, e sem entrar no mérito, afirmei que se essas iniciativas viessem top
down, por decreto, ia dar errado. O número de cesáreas é uma
consequência – um efeito emergente – resultado de interações e choques de
interesses/incentivos/motivações dos muitos agentes envolvidos – mãe e pai do
bebê, famílias de ambos, médico obstetra, plano de saúde, empresa que paga o
plano, hospital, equipe médica… Quer dizer: o número de cesáreas que as
estatísticas registram, cristaliza o “efeito líquido” dos interesses e
motivações dos muitos agentes envolvidos na decisão “cesáreaversus parto normal”.
Em meados de 2015, a iniciativa foi
revogada antes de ter sido implantada, mas em dezembro houve uma recaída, e
pessoas bem-intencionadas propuseram uma norma legal garantindo remuneração
três vezes maior aos obstetras que realizassem partos normais para, com isso,
induzir a queda das taxas de cesáreas. De novo: a ciência dos sistemas
complexos permite afirmar que vai dar errado, porque as interdependências
existentes entre os agentes envolvidos impedem uma solução deste tipo.
Problemas complexos nunca se resolvem por intervenções isoladas.
Coincidentemente,
na mesma época, foi noticiado o resultado de um experimento (um
projeto piloto) que estava realmente reduzindo o número de partos por cesáreas.
Um arranjo (não uma norma!) envolvendo órgãos reguladores, hospitais (públicos
e privados), obediência a protocolos, enfermeiros obstetras, obstetras
plantonistas, critérios de remuneração, layouts de unidades, comunicação e
preparação de todos os agentes envolvidos (incluindo, obviamente, a mãe e seu
obstetra, que não é necessariamente quem irá conduzir o parto), e até mesmo
organizações especializadas de fora do Brasil. Em suma: uma
arquitetura de prestação de serviços desenhada para um fim específico –
incentivar o aumento de partos normais. O projeto se chama “Parto Adequado” e está na direção certa (a última informação é
que a redução de partos por cesárea chegou a 10 pontos percentuais em poucos
meses).
Meu
novo livro sobre “Inovação em Saúde” (sai em março de 2016), usando a
ciência da complexidade, conclui que é esse mesmo tipo de iniciativa (arranjos
integrados em arquiteturas especialmente desenhadas envolvendo todos os
agentes) que vai resolver os problemas do sistema de saúde no Brasil. O nome
disso é inovação organizacional – um tipo de inovação comum em todos
os setores, mas não em saúde. O que está acontecendo no RJ é essencialmente
fruto da fragmentação (oposto de integração) absurda do sistema. Mais dinheiro
não vai resolver.
Adaptado
do livro “Inovação em Saúde:como reduzir custos e melhorar resultados usando uma nova ciência”
Clemente Nóbrega - físico com mestrado em
Engenharia Nuclear, autor de vários livros, diretor da INNOVATRIX.