Animais
transmitem entre gerações saberes sobre deslocamentos
Não importa se a razão é frio, calor, seca, enchente,
falta de comida, ataques repetidos, invasão por vizinhos próximos ou distantes,
abuso de poder pelos líderes: quando a coisa fica feia, e apesar de todos os
custos e riscos, a resposta natural para quem pode —humano ou não— é migrar.
Humanos têm um córtex pré-frontal bem provido de
neurônios e com isso podem avaliar situação, contexto, riscos e benefícios, e
ainda avaliar opções de destino e trajeto. Em contraste, outros animais são,
bem, animais, desprovidos de mapas e internet: migrar deveria ser inviável,
certo?
Rebanho de gnus caminha em meio a um ambiente de terra –
Mas não é. Zebras, bisões, alces, carneiros e várias
outras espécies não renomadas por suas habilidades cognitivas migram centenas
de quilômetros por ano, atrás de pastagens literal e metaforicamente mais
verdes. Várias ainda repetem o mesmo trajeto ano após ano. Como isso é
possível?
“Transmissão cultural”, segundo um estudo
recém-publicado na revista Science por pesquisadores da Universidade do
Wyoming e instituições do governo dos EUA.
Graças ao trabalho cuidadoso de pesquisadores que
observaram e coletaram dados sobre migrações ao longo de várias gerações, e
graças às instituições que investiram em preservar tanto conhecimento, os
cientistas puderam constatar que a migração não é obra de um indivíduo sozinho.
Quem sabe migrar em um habitat mas é transferido por
agentes florestais bem intencionados não sabe migrar no novo ambiente quando
necessário; é preciso aprender tudo de novo, de preferência com os indivíduos
da população residente. Com o tempo, o saber migratório de cada indivíduo
vai aumentando —e sendo transferido para as novas gerações.
Carneiros e outros bichos, portanto, também têm cultura.
Talvez até tenham escolas migratórias organizadas à sua maneira, onde quem já
aprendeu ensina aos mais novos.
Um
só cérebro não basta, mas ao longo das gerações a união faz a força.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com