São os comentários, estúpido!
Comentários
e reações se tornam mais importantes que post editorializado.
Quer influenciar pessoas? Ou vender ideias e
produtos?
Então esqueça posts, vídeos, influenciadores e outros conteúdos que
aparecem na parte de cima das redes sociais.
O que importa cada vez mais é a
parte de baixo: os comentários, as reações, as respostas, as repercussões e as
interações ao que é postado.
O que domina no mundo de hoje é o aparente caos da
parte aberta e livre para interação nas redes sociais.
Seria esse o surgimento
de uma nova democracia na comunicação?
Ou o triunfo do
"povo" em sua sabedoria descentralizada?
Nada disso! O que acontece é que grupos econômicos
e políticos, que já têm poder, aprenderam técnicas para controlar a parte de
baixo das mídias sociais.
Essas técnicas envolvem uso de robôs, sockpuppets e
times coordenados de forma centralizada para espalhar a "mensagem" ou a "ação" que
é do interesse desses grupos.
Tudo com uma diferença importante. Na parte de
cima, o conteúdo pelo menos é assinado, dá para saber de onde veio e há um
mínimo de responsabilidade editorial envolvida.
Na parte de baixo, o conteúdo
se disfarça de "voz do povo", de pessoas aparentemente desinteressadas
expressando sua opinião.
Mas o que ocorre, na verdade, é o uso de dinheiro,
pessoas e o emprego de poder computacional para dominar os espaços interativos
das redes sociais.
Os exemplos são muitos. A começar por uma marca de
roupas que vem fazendo enorme sucesso justamente por utilizar de forma
implacável esse tipo de marketing que atua nas caixas de comentários das redes
sociais.
A marca usa não só influenciadores para espalhar seus produtos mas
também um exército de pessoas e contas controladas que patrulham as redes
sociais falando bem dos seus produtos e rebatendo na hora quaisquer críticas à
qualidade das roupas ou seu modo de produção.
Ou ainda o caso dos fãs da cantora Anitta que usaram uma estratégia
para fazer parecer que a cantora estava sendo ouvida
mundialmente no Spotify.
Grupos coordenados atuaram na
plataforma, dando a impressão de que a nova música da artista era a mais ouvida
no mundo todo. Só que a ação partia exclusivamente do Brasil.
Quem olhasse só o
Spotify pensaria estar diante de um fenômeno "espontâneo". A
realidade era uma ação coordenada e oculta ocorrendo nos bastidores.
O mesmo tipo de questionamento surgiu com
relação ao vencedor do Big Brother Brasil.
As votações do programa estão cada vez mais
coordenadas e articuladas por equipes de marketing ligadas aos participantes.
Quem tem mais dinheiro e mais poder computacional controla mais votos.
Esse é exatamente o problema. Não há "voz do povo"
aqui, mas sim efetividade de novos métodos ocultos de marketing.
Ou ainda, há
uma nova lei do mais forte, pela qual quem tem dinheiro e poder computacional
domina os espaços abertos da esfera pública digital.
Em suma, daria para dizer para quem ainda não percebeu: a
comunicação do presente está nos comentários e reações, estúpido!
Só que
estúpido, no caso, somos todos nós, arrebatados por um novo tipo de marketing
centralizado que se disfarça de multidão anônima.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.