Olhar retrospectivo de Pastore
Economista
se debruça sobre os fatos com os melhores dados e teoria possíveis.
Acaba de ser publicado “Erros do passado, soluções para o
futuro. A herança das políticas econômicas brasileiras do século XX”, de
Affonso Celso Pastore, pela Penguin.
Tendo participado ativamente por seis décadas em diversas
posições –estudante, professor, pesquisador, formulador da política econômica,
consultor e colunista–, Pastore se debruça sobre os fatos com os melhores dados
e teoria possíveis, com o rigor de um cientista.
Não conheço outro economista
brasileiro de primeira grandeza que tenha feito exercício tão honesto de visão
retrospectiva.
O livro se inicia com o tema de sua tese de doutorado. Havia nos
anos 50 e 60 uma tese estruturalista que alegava que a inflação não era
fenômeno monetário, mas sim causado por fatores estruturais.
Um dos mais
importantes era a baixa resposta da oferta de bens agrícolas aos preços. Com a
urbanização, a demanda por alimentos se elevava, os preços subiam e a oferta
não crescia, o que realimentava a inflação.
No capítulo, Pastore reapresenta seus resultados
rejeitando integralmente a tese estruturalista.
Segue uma apresentação da
evolução da agricultura brasileira nas últimas
décadas, do papel da Embrapa e uma discussão interessantíssima sobre as
diferenças da agricultura brasileira e americana.
No segundo capítulo, ele apresenta o plano ação
econômica do governo Castelo Branco, o PAEG, seu papel reformador, que plantou
as sementes para o crescimento do milagre econômico, mas também
plantou as sementes da elevada inércia da inflação nas décadas seguintes, com a
instituição da correção monetária.
A inércia inflacionária se transforma em inflação
inercial se não houver âncora nominal.
Por diversos capítulos somos apresentados
ao longo e tortuoso processo de construção de instituições monetárias para
garantir a estabilidade da moeda, um dos bens públicos mais importantes de
qualquer sociedade.
O terceiro capítulo aborda o milagre econômico.
Talvez seja o
capítulo mais original do livro. Baseando-se em diversos estudos de comércio
internacional, Pastore argumenta que a política de promoção de exportações do
período foi muito custosa e induziu a má alocação do investimento, mesmo antes
dos exageros do período seguinte, do segundo Plano Nacional de Desenvolvimento,
já no governo Geisel, tratado no quarto capítulo.
No quinto capítulo, Pastore trata da crise da dívida externa,
quando teve papel de liderança como presidente do Banco Central.
Mostra que a
ditadura entregou uma situação externa relativamente equacionada, apesar de
haver um longo caminho para a construção de uma verdadeira estabilidade
macroeconômica, e que um diagnóstico errado do governo Sarney nos desviou da
rota, provocando atraso de muitos anos.
Ao longo dos capítulos e paralelamente à exposição dos temas
ligados à economia brasileira, Pastore apresenta a sua leitura da economia
internacional.
Um dos pontos altos do livro é a apresentação do diagnóstico que
foi feito à época da crise do petróleo e de suas consequências para a liquidez
internacional, e sua avaliação atual do mesmo processo.
Em certa medida, a
estratégia que perseguimos após o choque do petróleo, de financiamento com
endividamento externo, sustentava-se em uma interpretação dos fenômenos que sugeria
a manutenção de condições financeiras folgadas por muitos anos.
Diagnóstico
errado, escolhas erradas de política econômica.
O sexto capítulo trata da conquista da estabilidade fiscal no
governo FHC e da perda dessa estabilidade no governo Dilma. Pastore apresenta
perguntas e discute a economia política que gerou tal retrocesso que a duras
penas temos enfrentado.
Fecha o livro sua exposição
crítica da tese de que câmbio mais depreciado estimula o crescimento. Ele
explica as diferenças entre o Brasil e os tigres asiáticos e os motivos dessa
estratégia não funcionar por aqui.
Certamente será texto
obrigatório dos cursos de história econômica contemporânea. Pastore aos 82 anos
no seu melhor.
SAMUEL PÊSSOA - Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer
Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP.