É possível conciliar amor e dinheiro? Essa foi a
pergunta de um leitor que me escreveu contando a história de um colega que
deixou a noiva a ver navios porque ela insistia em comprar um apartamento na
hora errada, pelo preço errado, assumindo um financiamento com juros altos
demais.
"Casado com ela, o que seria das finanças no
futuro?", questionava.
A nova namorada quer filhos logo depois do
casamento e não vê problema em gastar acima dos
rendimentos proporcionados pela aplicação
financeira, consumindo pouco a pouco o patrimônio. "Filhos são uma ameaça
ao patrimônio", afirma ele.
Comprou à vista um apartamento mobiliado, pagando
bem abaixo do preço de mercado. A construtora, ansiosa por se livrar da unidade
devolvida pelo primeiro comprador que não conseguiu pagar as prestações, sofreu
com um negociador consciente da oportunidade que tinha nas mãos e soube
barganhar a seu favor. "Mais parece o Tio Patinhas...", comenta.
Embora confesse que aprende muito quando conversa
com o colega, se pergunta se é possível conciliar amor (cônjuge e filhos) e
dinheiro (aumentar o patrimônio).
Tenho convicção de que é possível conciliar amor e
dinheiro, lembrando que o dinheiro não é um fim em si mesmo, mas apenas um meio
para alcançarmos nossos sonhos.
Sonho de constituir uma família feliz, comprar uma
casa bonita e acolhedora para toda a família, proporcionar boa educação aos
filhos. Ou sonhos pessoais que não envolvem família, projeto muitas vezes
adiado em razão de outras prioridades: formação acadêmica nas melhores escolas
internacionais, investir na carreira, empreender o próprio negócio, viajar e
conhecer outras culturas.
Conversando com meu colega Fabiano Calil, também
planejador financeiro certificado e com ampla experiência em conflitos
familiares, avaliamos que a diferença entre os sonhos dos membros de um casal é
recorrente, desde a festa de casamento (ela quer a festa, ele prefere viajar),
apartamento (ela quer comprar, ele investir e morar de aluguel) e filhos (elas
querem, eles não). A desculpa é sempre o dinheiro, festa cara, juro alto no
financiamento, custoso manter um filho.
O desejo do noivo é individualista, prefere viajar
em vez de gastar dinheiro com uma festa social. O receio de se comprometer com
um projeto de longo prazo, como a aquisição de um imóvel, vai contra o plano de
independência financeira, dos que anseiam por liberdade. A chegada de um filho
assusta, tanto pela responsabilidade de ser pai como pela perspectiva de perder
a exclusividade e dividir a atenção da companheira com o filho.
Os problemas financeiros, em geral, são
consequência e não a causa dos conflitos. Muitos têm dificuldade de acolher os
desejos do outro e pouco falam a respeito dos sentimentos, usando o dinheiro
como escudo para esconder a verdadeira origem do problema.
Embora seja uma desculpa verdadeira, usar o
dinheiro como escudo os impede de amadurecer e viver uma experiência de
entrega, compartilhamento. Se puderem manter relações fugazes ou permanecer na
casa dos pais, grande parte assim escolherá.
Para os casais que passam dessa etapa, o que os
afasta é a falta de diálogo, e lamentam não realizar os desejos individuais e
os planos do casal. Ficam focados apenas nos filhos, esquecendo-se da dupla e
deles próprios. Sem assumir a responsabilidade, pegam o caminho mais fácil,
culpar o parceiro.
Como resolver esse conflito? Meditar sobre o que
desejam da vida. Depois compartilhar com o outro, seu sócio afetivo, e definir
os planos do casal e investir no relacionamento. Ao fortalecerem a confiança um
no outro e nutrirem a relação, se redescobrem, com honestidade que pode ser
dura, a princípio, mas potente se forem capazes de vencer as inseguranças e os
medos. O respeito e a confiança voltam a imperar entre eles, fortalecendo ou
resgatando o amor que os uniu.
Se os sonhos e projetos de vida estiverem definidos
e alinhados, será possível planejar financeiramente como e quando serão
alcançados. E problema com dinheiro não será motivo de discórdia, nem por causa
nem por efeito de outros conflitos.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer
com Meu Dinheiro'
Fonte: coluna jornal FSP