Há comportamentos que são tão contagiosos que só de
pensar neles já dá vontade. Bocejar é um deles. O bocejo parte do hipotálamo,
estrutura na base do cérebro que cuida de todos os aspectos da fisiologia do
corpo, como integrar o nível de sonolência com a respiração. Como a respiração
é controlada diretamente pela base do cérebro, sem depender de ordens do
córtex, uma vez que o hipotálamo passa o comando para o bocejo, ele é
inevitável. No máximo, dá para tentar ser discreto.
Assim como o bocejo, coceira também pega. Ela é tão
contagiosa que posso apostar que o seu rosto, seu queixo, seu couro cabeludo
vai começar a coçar nos próximos segundos. Eu comecei a querer me coçar assim
que escrevi o título desta coluna.
Esses comportamentos contagiosos tem um componente
social: são mais comuns entre pessoas familiares e que tem um certo grau de
empatia umas com as outras. Por isso, era esperado que o contágio envolvesse o
córtex cerebral, e fosse talvez exclusividade de primatas ou outros animais
cerebralmente bem dotados. Aliás, um grupo mostrou ano passado que quanto mais
neurônios uma espécie tem no córtex cerebral, mais contagioso é o bocejo.
No entanto, um estudo da Universidade Washington,
em Saint Louis, nos EUA, acaba de mostrar que também camundongos começam a se
coçar só de ver um colega se coçando em outra caixa. Nem é preciso ver a fonte
do contágio ao vivo, ou sentir seu cheiro: ver a imagem em vídeo de outro
camundongo se coçando é suficiente para disparar a imitação.
Usando um teste genético que mostra quais neurônios
se tornaram mais ativos durante uma tarefa, a equipe de Zhou-Feng Chen
descobriu que o sítio mais ativo nos camundongos que pegavam a coceira dos
outros fica no hipotálamo, como é o caso do bocejo –mas em uma parte inusitada:
no núcleo supra-quiasmático. Esta é a estrutura que recebe informação dos olhos
sobre a luminosidade ambiente, e portanto sobre se é dia ou noite, e regula o
comportamento de acordo.
O que este núcleo poderia estar fazendo monitorando
a coceira alheia? O que quer que seja, coincidência não é: usando um arsenal de
ferramentas genéticas, Chen e sua equipe mostram que a ativação do núcleo é
necessária para os animais pegarem a coceira dos outros, e também suficiente
para eles começarem a se coçar em segundos. Meu núcleo supra-quiasmático que o
diga: já perdi a conta de quantas vezes me cocei escrevendo esta coluna...
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do
livro "Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com