O que um trabalhador, com
carteira assinada, e um proprietário de imóveis, que vive de renda de aluguéis,
têm em comum? O risco de, repentinamente, e por motivos alheios à sua vontade,
deixar de contar com a renda que provê seu sustento.
Que fato origina a perda da
renda? No caso do trabalhador, perder o emprego. No caso do proprietário,
perder o inquilino. Tempos difíceis para ambos, com posições tão distintas no
mercado, e vítimas da mesma crise econômica.
O nível de desemprego aumentou
rapidamente e ceifou milhares de postos de trabalho, prejudicando quem já está
no mercado de trabalho e, ainda mais, quem está tentando entrar nesse mercado.
As ofertas escassas impedem que o trabalhador escolha o emprego dos sonhos,
como podia fazer há poucos meses.
Muitos trabalhadores se
submetem a um cargo com remuneração inferior à adequada para sua qualificação e
experiência profissional porque têm família para sustentar e não podem se dar
ao luxo de aproveitar a perda do emprego e tirar um ano sabático, como fazem os
mais abastados.
Os proprietários estão sentindo
na pele o risco de investir em imóveis. O nível de vacância, que indica a
quantidade de imóveis desocupados, está muito alto. Quem ainda não entregou as
chaves está atrasando o pagamento da taxa de condomínio, afetando as finanças
dos vizinhos que respondem pelo pagamento das despesas fixas. Os inquilinos,
cientes da crise que assola o mercado, aproveitam a oportunidade para negociar
redução no valor do aluguel.
Os proprietários locadores
vivem o inferno astral perfeito: renda reduzida ou cessante versus aumento das
despesas de condomínio e IPTU, antes pagos pelos inquilinos. Como o mercado de
locação está muito ofertado, ele coloca o apartamento à venda. E encontra outra
maré desfavorável. Aqui também as ofertas são muitas e tentadoras.
As construtoras, com várias
unidades em estoque, precisam de caixa para tocar outros projetos. Descontos
generosos são oferecidos nos feirões. Cinco anos de condomínio pago. IPTU por
conta da construtora. São exemplos de estratégias sendo adotadas pelas grandes
incorporadoras e construtoras, contra as quais o proprietário, com a oferta
solitária de um imóvel usado e muitas vezes precisando de reforma, não consegue
competir.
O que salva o desempregado e o
proprietário que perde um ou mais inquilinos? A bendita reserva financeira,
verdadeira tábua de salvação que permite a ambos navegar por águas turbulentas
até que a tempestade se afaste e traga ares mais amenos, com a calmaria e a
estabilidade que se aproximam com a recuperação da tão desejada e necessária
renda mensal.
Com a renda reduzida ou
extinta, ambos, empregados e proprietários, se debruçam sobre as despesas para
ver o que é possível reduzir, cortar, adiar. Um exercício que só fazemos em
momentos de crise e que traz muito aprendizado. Quando feito espontaneamente, o
exercício permite eliminar excessos, melhorar a destinação dos recursos e
ampliar a quantidade de dinheiro destinada a formar uma reserva financeira, a
bendita reserva financeira que você não sabe quando vai precisar.
Aos que não foram prudentes e
não contam com uma reserva financeira só resta cortar despesas. Reduzir a
qualidade de vida. Tomar decisões drásticas como voltar para a casa dos pais,
tirar os filhos de escola particular, trancar a matrícula da faculdade. Viver
uns tempos sem o carro também faz parte do exercício de cortes e, nesse caso,
uma experiência muito positiva. A venda do carro pode trazer alguma entrada de
caixa e reduzir bastante suas despesas.
Os previdentes que formaram uma
boa reserva financeira podem respirar aliviados. Farão o mesmo exercício de
cortes no orçamento, mas serão capazes de manter certo padrão de vida, com
sacrifícios menores, enquanto durar o período ruim. Assim que a maré baixa
passar, voltarão a poupar parte da renda para recompor, no menor espaço de
tempo possível, o nível da reserva financeira.
Qual o tamanho dessa reserva?
Suficiente para prover a renda cessante pelo tempo em que a crise durar. Seis
meses, um ano? Difícil prever. Quanto maior for a reserva, maior será sua
segurança e tranquilidade. Melhor hora de pensar nisso? Na bonança.
Marcia Dessen - planejadora financeira
pessoal, diretora do Instituto Brasileiro de Certificação de Profissionais
Financeiros e autora de 'Finanças Pessoais: o que fazer com meu dinheiro'.
Fonte: coluna no jornal FSP