Melhor não ter piloto automático
Testei
um Tesla e senti a sensação de estar no assento do motorista sem guiar o carro.
Fomos fazer um test-drive de um Tesla, eu e meus filhos.
Não vou
precisar trocar de carro por mais uns meses, mas tive a sorte de ter ambas
minhas crias comigo todo o mês de janeiro e os dois ficaram empolgadíssimos com
a perspectiva de experimentar tecnologia nova —e fazer campanha, claro que em
seus interesses também.
Não que eles precisassem me convencer: já tive um carro
totalmente elétrico e, agora que tenho placas solares em casa, a opção por me
deslocar puramente às custas de energia renovável é óbvia.
Mas o assunto da vez é outro.
Sim, sim, tem a potência surreal e
instantânea da transmissão elétrica sem motor, o interior do carro espaçoso e
todo clean, a ausência de mostradores no painel.
Tudo isso já tinha me convencido
há tempos (e não, não estou ganhando nada da Tesla —mas se o Elon Musk quiser
me chamar para um bate-papo, o convite está aceito desde já!).
O que eu queria mesmo experimentar era a sensação de estar no
assento do motorista sem guiar o carro: o tão-falado piloto automático.
Segui a
orientação do representante (que não veio junto!) de “pressionar” duas vezes a
alavanca que já estava em drive, com o carro em movimento... e pronto: o carro
começou a fazer sozinho as curvas da estrada.
A sensação seria de mágica e até um certo temor, se não fosse a
nuvem de alta tecnologia que nos cercava.
Do banco de trás, meu filho
rapidamente constatou que ainda se sentia em segurança, e identificou a razão:
a tela gigante que faz as vezes de painel de controle mostrava uma silhueta do
nosso carro centrado nas faixas da pista, mais todos os outros carros em
movimento na estrada ao redor, monitorados em permanência —exatamente como o
cérebro nos mantem em ação, tomando iniciativa e fazendo ajustes de acordo com
a realidade representada pelos sentidos.
A informação mostrada no painel contribui para a sensação de
ainda se estar no controle, embora o motorista não precise intervir. Bom, por
alguns instantes; quando o sistema não detecta a leve pressão das mãos
segurando o volante, ainda que apenas descansando nele, um alerta começa a
piscar, e... bom, eu sou uma humana obediente, e com meus filhos no carro, não
quis despertar a ira do sistema para descobrir o que acontece.
Gostei da segurança adicional, que evita trocas de
pista descuidadas e impede acidentes por sonolência na estrada.
Mas vejo a
vantagem da estabilidade de um piloto automático apenas como o equilíbrio que o
balanço de três poderes em princípio proporciona a um país.
Não há como estar
nós mesmos no controle de um sistema poderoso —sobretudo quando é grande o
potencial de desgoverno por guinadas alheias súbitas.
Suzana
Herculano-Houzel - bióloga e neurocientista da
Universidade Vanderbilt (EUA).