Lute para que sua voz seja ouvida
Sociedade
civil é privada de sua cidadania plena com extinção de conselhos de direitos.
Quando sua voz é calada, quando seus direitos não
são respeitados, quando os princípios de cidadania plena são descartados, você
não pode viver bem idade alguma —muito menos chegar bem aos 100.
Quem defende seus direitos? Você conhece seus direitos? Você luta por eles?
Eu tive muitas experiências profissionais gratificantes ao longo dos 45 anos
dedicados ao tema da longevidade.
Mas talvez a maior delas
foi ter participado da 2ª Conferência Nacional de Direitos das Pessoas Idosas,
em 2009.
Não por ter proferido a aula magna na sessão de
abertura, mas pela experiência em si. Era a sociedade civil atuante e
responsável. A voz das pessoas idosas se fazendo ouvida. Nada para nós, sem
nós.
Em um sistema democrático, um valor maior é a
participação da sociedade no controle das ações do Estado.
Quem faz isso é a
sociedade civil organizada. Como?
Participando de instâncias de defesas de direitos.
No caso da população idosa, os conselhos de defesa de direitos da pessoa idosa.
Nunca havia presenciado a atuação da sociedade civil de forma tão
vibrante. Delegações de todo o país chegaram a Brasília preparadas.
Nos meses
anteriores, conferências estaduais e regionais tinham se debruçado sobre as
questões que consideravam mais relevantes. Todos ali estavam conscientes da
responsabilidade de estarem representando seus pares.
Assim, eu deveria ter me sentido honrado e feliz por ter sido convidado pelo
atual Conselho Nacional de Direito das Pessoas Idosas (CNDI) como conferencista
magno na abertura da última conferência regional, do Sudeste, preparatória para
a Conferência Nacional em setembro.
No entanto, feliz não estou.
Muitos conhecem meu compromisso com a causa da defesa de direitos que asseguram
um envelhecimento digno. Em 2019, por decreto presidencial, os Conselhos de Direitos foram extintos, entre
eles o CNDI.
O colegiado, democraticamente eleito para a gestão 2018-2020, foi
destituído.
De 28 conselheiros, o número foi reduzido a seis;
metade deles, do lado governamental, pertencentes à mesma pasta: o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos.
Outros ministérios, relevantes na promoção de nossos direitos, foram afastados.
Aos demais três, representantes da sociedade civil, foi suprimida (a qualquer
um deles) a possibilidade de assumir a presidência do conselho, hoje
estritamente reservada ao secretário Antonio Costa, estranho à área, empossado
sem qualquer diálogo com a sociedade civil pela ministra Damares Alves. De cima
para baixo.
Por isso, ao recusar o convite, manifesto meu
sentimento de profunda tristeza. Não bastassem a pandemia e as centenas de milhares de mortes preveníveis de
idosos por ela causadas.
Triste também, pois a conferência virtual excluirá a
participação de pessoas sem condições de participar, por conta da exclusão
digital.
Suas vozes estão sendo caladas. Assim, não me
reconheço neste lugar ilegítimo de fala, em que falta a escuta. Se aceitasse o
convite, o que diria aos meus pares?
Chegaremos bem aos cem, sem que nos seja restituído
o bem mais precioso, a plena cidadania?
Alexandre Kalache - médico gerontólogo, presidente do Centro
Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)