Vale a pena diminuir a pensão de viúvos e viúvas na reforma da Previdência? É horrível discutir quanto a despesa do governo poderá diminuir caso se venha a talhar os benefícios das pessoas que perderam os companheiros, mas é disso que o país vai tratar em breve.
O governo de Jair Bolsonaro pretende retomar o plano da reforma de Michel Temer que previa a redução das pensões por morte. Em vez de receber 100% do benefício dos companheiros mortos, viúvas e viúvos ficariam com 60% do valor e mais 10% para cada dependente.
Antes de fazer alguma conta, é preciso perguntar se as pensões ainda teriam um piso, atualmente no valor de um salário mínimo (R$ 998). Caso o segurado morto recebesse apenas um mínimo de benefício e seu companheiro não tivesse nenhum dependente, passaria a receber apenas cerca de R$ 600 por mês?
Suponha-se que não, que o piso permaneça. Assim, em uma conta aproximada, pressupondo que o viúvo ou viúva não tenham dependente algum, a economia no primeiro ano seria de algo em torno de R$ 1,5 bilhão (0,02% do PIB).
A economia cresceria a cada ano (mais pensionistas passariam a receber o benefício, alguns tantos deixariam de recebê-lo, por morte ou outro motivo). No décimo ano da vigência da reforma, fazendo conta ainda mais aproximada, a economia poderia chegar a 0,6% do PIB.
Em valores atuais, dá para pagar um ano e quatro meses de Bolsa Família. Equivale a tudo o que o governo federal gasta por ano em investimento (em "obras"), uma despesa terrivelmente arrochada, dada a pindaíba do governo. Mas, repita-se, esse 0,6% do PIB seria a economia daqui a dez anos, caso seja feita a reforma das pensões por morte.
Quem recebe? Das novas pensões, 11,5% vão para crianças e jovens de até 19 anos (embora nesse universo existissem pelo menos 97 viúvas de 15 a 19 anos e 5 viúvos na mesma faixa de idade, segundo dados de 2017, os mais recentes a esse respeito).
Das pessoas com mais de 19 anos, 67,8% são mulheres, 20,7% são homens. Aproximadamente 95% das mulheres com 20 anos ou mais são viúvas (as demais podem ser menores de 21 anos ou, se maiores, inválidas ou deficientes, ou mães e irmãs dependentes pelos motivos previstos em lei).
Na maior parte, portanto, a reforma das pensões por morte vai mexer com os benefícios das viúvas. Como já se escreveu nestas colunas, a reforma das pensões foi tentada por Dilma Rousseff e foi o primeiro item importante a cair da reforma da Temer.
Não se trata de despesa pequena. Cerca de 24% da despesa com do RGPS (Regime-Geral de Previdência Social) vai para pensões. São cerca de R$ 120 bilhões por ano, pagos a 7,7 milhões de pessoas. A reforma afetaria apenas os novos beneficiários, cerca de 360 mil neste ano, a julgar pelos dados dos últimos 12 meses.
A discussão vai ficar tanto mais quente quanto mais persistirem regimes especiais de aposentadoria (para militares ou alguma outra categoria de servidores públicos, por exemplo).
Quando a reforma vier a público esmiuçada, os números de despesas e economias com a reforma estarão sobre a mesa.
"Gasta-se tanto com tal categoria e querem tirar tanto das viúvas?", vai se perguntar. Um debate sempre muito difícil, na verdade muito deprimente, vai ficar amargo para muita gente.
Nota: as contas foram feitas com base no Anuário Estatístico da Previdência Social de 2017, com alguns valores e quantidades atualizados pelos dados mensais de 2018, até novembro.
Vinicius Torres Freire - Jornalista, mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Fonte: coluna jornal FSP