Para onde vão as taxas naturais
de juros?
Deveremos ter um retorno ao normal de juros mais baixos nas economias
avançadas
Abre-se a pergunta: quão durável
será essa mudança de regime macroeconômico?
Passado o momento de aperto
monetário e consequente estabilização inflacionária em patamares mais baixos,
em dois anos ou mais voltarão as taxas de juros nas economias avançadas a
níveis tão baixos quanto os das últimas décadas?
Ou algo fundamental mudou,
aumentando a frequência de choques de preços e a necessidade de juros mais altos?
Para os economistas, essa
pergunta equivale a "para onde vão as taxas ‘naturais’ de juros?".
A
taxa "natural" de juros em uma economia é aquela sobre a qual, nas
condições vigentes, não há pressões inflacionárias nem deflacionárias, ou seja,
a inflação é estável e o produto da economia corresponde a seu potencial.
É a
taxa na qual a demanda agregada é igual à oferta agregada, o que equivale a
dizer, a renda não consumida iguala a demanda por investimentos.
Não se trata de algo diretamente
observável e o máximo que se almeja é estimá-la como uma variável latente, a
partir dos dados e modelos com hipóteses.
É também algo que se usa como uma
referência de médio e longo prazos, ou seja, para além de flutuações cíclicas
da economia.
A taxa natural de juros, em
termos reais, constitui uma espécie de âncora de referência para a política
monetária.
Com efeito, quando somada à taxa que corresponde à meta de inflação
perseguida pelo Banco Central, tem-se uma taxa nominal de juros em que o Banco
Central estaria contente com a taxa de inflação e não estaria propulsando ou
desacelerando a atividade econômica para além ou abaixo de seu ritmo potencial.
Essa taxa natural de juros
refletiria fatores estruturais que comandam oferta e demanda agregadas.
A taxa
natural muda ao longo do tempo conforme evoluam esses fatores estruturais que
operam como uma âncora gravitacional.
Pois bem. Por que as taxas
naturais de juros declinaram sustentadamente nas últimas décadas nas economias
desenvolvidas?
Que fatores estruturais no lado real da economia as conduziram
nessa direção? Quatro são frequentemente apontados –três
no lado da poupança e outro no lado do investimento.
Primeiro, demografia e
envelhecimento da população. Dada a evolução das pirâmides etárias, grandes
parcelas das populações de economias avançadas passaram pela fase intensiva em
poupar de suas vidas.
Isso elevou a poupança global e rebaixou taxas de juro
reais. Além disso, o aumento da expectativa de vida levou essas pessoas a
poupar ainda mais para aposentadorias mais longas.
O aumento da desigualdade de
renda e riqueza foi outro fator estrutural, já que a detenção maior de recursos
por famílias mais ricas tendeu a aumentar volumes de poupança, pressionando
taxas de juros para baixo.
Um terceiro fator estrutural foi a ascensão de
economias não avançadas —especialmente a China— com elevadas taxas de poupança
e interessadas em guardar parte de suas reservas —oficiais ou privadas— de
riqueza em ativos considerados mais seguros, em economias avançadas.
Um quarto fator vem do lado dos
investimentos. Uma tendência surpreendente nos anos que antecederam a
"tempestade perfeita" foi a permanência de baixos níveis de
investimento nas economias avançadas, apesar da grande queda nas taxas de juros
reais.
Hipóteses sobre isso estão em geral associadas à evolução tecnológica:
as novas frentes de avanço até aqui não têm impulsionado produtividade e/ou
acumulação de ativos físicos como as anteriores.
O descompasso entre a demanda
por ativos pelas poupanças crescentes e a baixa incorporação de novos ativos
reais ensejou inclusive forte procura por –e valorização– de ativos já
existentes, suscitando o que chamamos de uma "macroeconomia liderada por bolhas
de ativos".
Levando em conta aqueles fatores
estruturais, entre outros, não surpreende, pois, que o Fundo Monetário
Internacional (FMI), no segundo capítulo de seu relatório sobre a "Perspectiva Econômica
Mundial" de abril, tenha concluído que as forças de longo
prazo apontam para o retorno das taxas naturais de juros nas economias
avançadas a patamares baixos.
Após, claro, a inflação ser trazida de volta nos
próximos anos, ao longo dos quais taxas de juros mais altas estarão presentes.
Supondo também que as expectativas de inflação dos agentes econômicos não
abandonem suas âncoras em níveis mais baixos.
A mudança atual de regime
macroeconômico no que diz respeito a taxas de inflação e de juros seria então
temporária.
O relatório do FMI alude à possibilidade até de retorno de
políticas monetárias "não convencionais", como as adotadas quando as
taxas de juros se moveram tendencialmente a patamares negativos em termos
reais.
Há fatores frequentemente
sugeridos como apontando na direção oposta, no que diz respeito à inflação ou,
no mínimo, choques recorrentes de preços.
A transição energética tenderá
a trazer choques de preços.
A "desglobalização" parcial também
trará ineficiência e choques de custos, ao
passo que a globalização ajudou a manter baixa a inflação nas economias
avançadas nas décadas passadas.
Há, por outro lado, boas razões para crer que
tais choques –para cima e para baixo– nunca foram significativos o suficiente para
ditar a evolução de taxas de inflação e de juros.
Portanto, cabe esperar um
retorno ao normal de juros mais baixos nas economias avançadas.
Segundo o relatório do FMI, embora
o conjunto de economias emergentes e em desenvolvimento não tenha acompanhado
as avançadas na baixa de taxas naturais de juros no período anterior à
"tempestade perfeita", suas tendências demográficas e de
produtividade e tecnologia também apontariam nessa direção descendente no
futuro.
OTAVIANO CANUTO - membro sênior do Policy Center for the New South, membro sênior não
residente do Brookings Institution, professor na Elliott School of
International Affairs da George Washington University, foi vice-presidente e
diretor executivo no Banco Mundial, diretor executivo no FMI e vice-presidente
no BID.