Ficção científica por um mundo melhor


Escritores de ficção científica há décadas fazem previsões ousadas sobre como será o amanhã. Mas agora eles começam a perceber que, ao preverem o futuro, ajudam a moldá-lo.

Foram os autores de ficção científica, por exemplo, que primeiro imaginaram os cartões de crédito, o que remonta a 1888, quando Edward Bellamy escreveu sobre eles em seu romance "Daqui a Cem Anos". H.G. Wells antecipou o correio de voz em 1923. Os fones de ouvido e as TVs de tela plana apareciam no romance "Fahrenheit 451" (1953), de Ray Bradbury. Já a realidade virtual foi idealizada por Arthur C. Clarke em 1956.

Mas nem todas as previsões foram róseas.

Bombas atômicas apareceram pela primeira vez em 1914, no romance "The World Set Free", de Wells. George Orwell previu acertadamente -e talvez tenha contribuído para- um Estado de vigilância em "1984". Escritores há séculos vêm prevendo armas destrutivas de todas as formas e tamanhos, incluindo a guerra biológica.

Agora, alguns desses visionários se uniram para oferecer histórias mais utópicas, com as quais esperam contribuir para um futuro mais positivo.

Em 2011, o reitor da Universidade Estadual do Arizona, Michael Crow, desafiou Neal Stephenson, autor de vários romances de ficção científica, a oferecer ideias com um ponto de vista mais otimista. No mês passado, um grupo de escritores, em colaboração com a universidade, lançou "Hieroglyph: Stories and Visions for a Better Future" [hieróglifos: histórias e visões para um futuro melhor], que se propõe a ser um modelo para esses novos conceitos.

"Os enredos de ficção científica ajudam a moldar a tecnologia em pontos cruciais", disse Kathryn Cramer, coeditora da obra. "Mas grande parte do passado era distópico. Pretendemos mostrar que há muitas coisas que podemos melhorar."

Os escritores estão reagindo em especial à forma como Hollywood retrata o futuro. É o caso de "Transcendence: A Revolução", filme de ação em que Johnny Depp interpreta um cientista brilhante que ressuscita como um programa de inteligência artificial que se torna mau.

"Para mim virou meio rotineiro achar que o legal era ser cínico e sombrio", disse Stephenson. "Não me arrependo disso. Mas agora eu tenho uma licença para tentar ir atrás de alguma coisa com um tom diferente."

Seu conto na nova coleção é sobre um engenheiro que tenta construir um arranha-céu de 20 quilômetros de altura. Outras tramas imaginam uma internet alternativa, livre da espionagem governamental e do monitoramento das empresas, e um futuro sem cercas nas fronteiras.

Cory Doctorow, colaborador de "Hieroglyph", escreveu que as histórias não são "nem otimistas nem pessimistas a respeito do futuro. Em vez disso, são esperançosas".

No mês passado, os editores da coleção viajaram pelo Vale do Silício dando palestras em grandes empresas, inclusive o Google -que está construindo robôs-, na tentativa de persuadir os engenheiros a pensarem de forma diferente.

Stephenson não é ingênuo a ponto de dizer que essas narrativas de ficção científica irão fazer do mundo um lugar melhor, mas ele espera que sua influência seja construtiva.

"Há definitivamente algum tipo de alimentação mútua", disse ele, "entre a ficção científica e a realidade tecnológica".

Nick Bilton – jornalista na área de tecnologia do jornal New York Times

Fonte: suplemento NYT do jornal FSP
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