Nos últimos tempos, ando especialmente interessado
em dinheiro. Explico: é uma preocupação profissional. Estou lidando com um
personagem economista que trabalha em consultoria econômica. Como tento ser um
escritor realista, é preciso que haja tintas de verossimilhança na minha figura
ainda incompleta e, portanto, resolvi estudar o dinheiro mais a fundo, um
assunto de que em geral só se fala por eufemismos, voz baixa e salamaleques,
como o sexo e problemas de família.
Comecei do mais amplo: "Keynes x Hayek",
de Nicholas Wapshott (Record), que conta a história do embate econômico que
assumiu dimensões radicais no século 20. De um lado temos o irresistível charme
do inglês John Maynard Keynes (1883-1946), defendendo a intervenção direta do
Estado como indutor de desenvolvimento e, de outro, a secura germânica do
austríaco Friedrich Hayek (1899-1992), um liberal clássico, para quem a
liberdade econômica é sempre o melhor caminho.
A batalha teórica não impediu que, durante a
Segunda Guerra, os dois gênios passassem a noite num telhado de Cambridge
olhando para o céu a procurar bombardeiros alemães. Ali, eles estavam do mesmo
lado.
A seguir, passei ao dinheiro propriamente dito,
esse pedaço de papel em que todo mundo acredita mais do que em qualquer outro
objeto cotidiano. Lendo "Dinheiro: Uma Biografia Não Autorizada", de
Felix Martin (Companhia das Letras), desmontou-se minha crença: a de que o
dinheiro teria sido uma evolução natural do escambo. Nesse idílio histórico,
como na aldeia de Asterix, o pescador trocava um peixe por uma sandália; o
artista, um menir por um punhado de trigo, e assim por diante, até que eles
acharam mais prático usar moedas em vez de carregar mercadorias para ir às
compras.
Descobri que não há nenhuma evidência de que algum
povo tenha desenvolvido um sistema econômico à base de escambo; trata-se de uma
fantasia. Todas as sociedades pré-dinheiro conhecidas viveram ou vivem uma
economia de pura base tribal. O dinheiro não foi uma "evolução
natural", mas uma ruptura que nasceu vinculada à escrita e mudou pela raiz
a vida social.
O efeito imediato de sua implantação foi a
possibilidade explosiva da mobilidade social: com ele, surge a figura do
"novo rico", e a hierarquia mítica do mundo começa a vir abaixo. O
dinheiro é democrático, e seu fiador absoluto é a confiança: um valor social
igual para todos. No mundo antigo, isso era impensável. Felix Martin lembra que
em nenhum verso da "Ilíada" e da "Odisseia" de Homero (em
torno de 850 a.C) há referência a escambo ou a dinheiro.
O dinheiro também tem seu viés metafísico. Quanto
vale uma libra? Exatamente uma certa quantidade de prata, nem mais, nem menos?
O filósofo inglês John Locke (1632-1704) achava que sim. Num debate econômico,
ele declarou, do alto de seu prestígio, à maneira cubista, que uma libra é uma
libra, um valor inalterável do mundo natural, como o quilo e o metro.
O problema é que, com a inflação, os ingleses
passaram a fundir as libras de prata e vender a prata, e as moedas
desapareceram de circulação. Para outros, o dinheiro é apenas uma carta de
crédito, como as tabuletas sumérias: "Vale 50 ovelhas". Você só tem
de acreditar que as ovelhas existem. O valor não estaria nas ovelhas, mas na
cabeça dos que trocam tabuletas.
Finalmente, já estou na metade de "A Ascensão
do Dinheiro: A História Financeira do Mundo", de Niall Ferguson (Planeta),
em que acompanhamos momentos fundamentais da história do dinheiro, desde a
gigantesca montanha de prata de Potosí, a quimera que não salvou a Espanha e
até a figura fáustica de Nathan Rotschild criando uma rede financeira que, no
dizer do poeta alemão Heinrich Heine, estava ao lado de Richelieu e Robespierre
no trabalho de aniquilar a velha aristocracia.
Não sei ainda como pensa o meu personagem, no seu
momento de crise; talvez haja nele algum resíduo problemático da relação entre
ética protestante e espírito do capitalismo, como queria Max Weber. Um estranho
no ninho, na terra em que, dos barões dos governos Odebrecht à luta pelas
aposentadorias especiais, o que melhor define a nossa alma econômica é uma
imortal marchinha carnavalesca: "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí!".
Cristovão Tezza - crítico literário e um dos
principais ficcionistas em atividade no país. Já venceu alguns prêmios
literários brasileiros com o livro 'O Filho Eterno' (Record).
Fonte; coluna jornal FSP