Finlandeses e estadunidenses veem dentro de dois cérebros interagindo


As possibilidades são enormes, sobretudo com relação a interações sociais

Descobrir quais partes do cérebro ficam mais ou menos ativas quando se canta, chupa manga ou assovia, quando fazemos contas de cabeça, pensamos em pessoas queridas ou recitamos poesia já virou lugar-comum na neurociência desde que se descobriu, nos anos 1990, a possibilidade de usar campos magnéticos potentes para ler pequenas variações na cabeça das pessoas.

Dito assim, parece ficção científica, mas essa é a base da ressonância magnética, o aparelho que agora é rotina em bons hospitais. 

Graças à pesquisa básica sobre como essas variações magnéticas correspondem a estados de oxigenação da hemoglobina e sua relação com atividade cerebral, a neurociência ganhou sua pedra de Rosetta para traduzir magnetismo de volta em que partes do cérebro estão mais ou menos ativas em cada comportamento.

Graças ao Conselho de Pesquisa Europeu, à Academia da Finlândia e à Fundação Nacional para a Ciência dos Estados Unidos, em breve teremos acesso ao nível 2: ler, ao mesmo tempo, dois cérebros interagindo, frente a frente, dentro da máquina. 


Um primeiro estudo finlandês com a prova de viabilidade já está acessível no BioRxiv para quem quiser ver; basta procurar “two-person MRI”.

As possibilidades são enormes, sobretudo com relação a interações sociais. Imagine acompanhar, em primeira mão, como duas pessoas reagem, antes de qualquer coisa, à experiência de ficar deitado em frente a alguém, literalmente na mesma cama. Não é para qualquer um — mas por que exatamente não gostamos da experiência? Fechar os olhos deve tornar tudo menos aflitivo; mas por que isso faz diferença? Conforme nos acostumamos, será que a amígdala do cérebro para de gritar que tem um estranho na sua cara ou você apenas aprende a controlar seu impulso de dar o fora? Com crianças autistas que evitam olhar nos olhos dos outros, como o cérebro delas consegue passar por cima dessa aversão natural? O que faz com que isso seja muito mais difícil para elas?

Interações entre amigos próximos também podem agora ser examinadas. O que acontece quando se concorda com outro? Qual é a diferença para o cérebro entre discordância amigável e intransigência, de um lado da conversa e do outro? Mães e seus bebês, pais e filhos, irmãos, namorados e namoradas também são terreno fértil para estudar emoções e memórias compartilhadas, o vaivém entre dois cérebros.

Imagino que vai ter gente tentada a discutir o relacionamento dentro do aparelho. Complicado, mas seria extremamente iluminador. Alguém se habilita?

 

Suzana Herculano-Houzel | bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Fonte: coluna jornal FSP

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