Pesquisa recente do Serviço de Proteção ao Crédito
(SPC Brasil) mostra que 65% dos brasileiros não têm reserva financeira.
Em março, 76% dos consumidores não conseguiram
poupar e apenas 19% conseguiram guardar algum dinheiro.
Dos poucos que conseguem poupar, 64% escolhem a
caderneta de poupança e 20% decidem guardar o dinheiro na própria casa. Os
fundos de investimento aparecem com 10%; a previdência privada, com 7%; o CDB,
com 6%; e o Tesouro Direto, com 4%.
Traduzindo em miúdos esse monte de percentagem, de
cada 100 pessoas, somente 19 pouparam, sendo que 12 pessoas optaram pela
poupança e cerca de 4 guardaram dinheiro em casa.
Há quem diga que o brasileiro não é investidor, é
pagador de parcelas. Se esse pagamento de parcelas estiver associado a algum
tipo de sorteio, de premiação, não importa a probabilidade nem o custo de
participar desse sorteio, melhor ainda.
Vendo a quantidade de pessoas que compram título de
capitalização e consórcio, por exemplo, tendo a concordar. Que atração é essa
do brasileiro pelos carnês? Investir que é bom, investir de verdade, receber
juros para compensar o esforço de poupar, não emplaca.
Os números do negócio de consórcio no Brasil
impressionam. São R$ 160 bilhões no estoque de contratos. Mais de 7 milhões de
cotistas. Uma a cada três motos no Brasil foi comprada via consórcio. Carros,
3,4 milhões; 800 mil imóveis e 300 mil bens de produção, como máquinas e
tratores.
Títulos de capitalização, outra atração
racionalmente inexplicável, é capaz de atrair muita gente. Segundo dados da
Susep (Superintendência de Seguros Privados), em março deste ano, o estoque era
de cerca de 5 bilhões de títulos, o que significa que as pessoas que compram
compram vários títulos, deixando claro que o objetivo é aumentar a chance de
ser sorteado. Sim, eu disse milhões e bilhões, a mesma unidade cada vez
mais frequente nos alarmantes números da corrupção no Brasil.
O brasileiro não vive sem um carnê. Quando acaba de
pagar um faz logo outro carnê e assim, aos pouquinhos, vai comprando geladeira,
celular, tablet, televisão. Todos eles exemplos de carnês para financiar
consumo, carnês que tiram dinheiro do bolso do cidadão para transferir a
terceiros.
Já que a atração pelo carnê é inegável, por que não
pensarmos em um carnê cujos recursos, depósitos e rendimentos, fosse revertido
integralmente à pessoa que comprou o carnê? Vou batizar de
"carnê-poupança".
Funcionaria mais ou menos assim: o Banco Central ou a Febraban, por exemplo,
sugerem aos bancos lançar o produto padronizado, para que todos os bancos
vendam a mesma coisa.
As parcelas do "carnê-poupança" seriam
depositadas em uma conta-poupança tradicional. "Ah, mas isso as pessoas já
podem fazer hoje..."
Pois é, podem, mas não fazem. Falta a atração, a
motivação, para desenvolver a disciplina de poupar. O
"carnê-poupança" pode ser o gatilho que faltava para que as pessoas
consigam criar o
hábito de poupar.
O produto pode ser oferecido em diversos tamanhos:
24 parcelas de R$ 30, 12 parcelas de R$ 50. Quem tomar gosto pela coisa pode
comprar outro carnê, e mais outro, e sem perceber estará poupando
R$ 100, talvez R$ 200 por mês.
Custo do produto? Zero. Afinal, estamos falando de
depósitos em poupança. Isentos de tarifa bancária e Imposto de Renda. Todo o
resultado para o cidadão, o pagador do carnê.
Os bancos podem lançar dois tipos de carnê, o carnê
livre, para resgatar a qualquer momento, sem penalidade, seguindo as mesmas
regras do resgate da poupança, e o carnê que obriga o pagamento de todas as
parcelas para ganhar o direito de participar de sorteios.
De onde vem o dinheiro para pagar os prêmios? De
uma fatia bem pequena do generoso lucro dos bancos que captam esse dinheiro com
baixo custo.
Quem se habilita a abraçar essa ideia e colocá-la
em prática? Desafio lançado!
Marcia Dessen – planejadora financeira
pessoal, diretora do Planejar e autora do livro 'Finanças Pessoais: o que Fazer
com Meu Dinheiro'
Fonte: coluna jornal FSP