Um
experimento indica que pais podem mudar de opinião sobre capacidade dos filhos
Criança toca piano na China; pesquisas mostram que
pessoas ainda creem mais em talento do que em dedicação
Elogiar o talento ou a inteligência de uma criança pode
acabar freando seu desempenho em diferentes esferas da vida.
Sem meias palavras, essa é a mensagem para pais,
cuidadores e professores da psicóloga Carol Dweck, que se baseia tanto em sua
experiência clínica quanto em numerosos experimentos.
Ao longo de décadas de pesquisas, Dweck identificou que
comentários elogiosos a habilidades supostamente natas contribuem para a
formação do que ela chama de mentalidade fixa.
O talento pode até vir do berço —talvez fruto de herança
genética—, mas acreditar que ele é a única ou a principal fonte de sucesso pode
causar grandes prejuízos.
No livro “Mindset”, a pesquisadora dá tantos exemplos de
como isso ocorre que a leitura às vezes se torna cansativa. Mas eles são
esclarecedores. Citarei dois:
O adulto diz para uma criança: “Você aprendeu isso tão
depressa! Como você é inteligente!”. Mas o que a pequena ou o pequeno tende a
interpretar é: “Se eu não aprender alguma coisa depressa, significa que não sou
inteligente”.
Ou: “Olhe esse desenho, Marta. Ele será um novo
Picasso?”. E eis que a criança pensa: “Não devo tentar desenhar nada a sério,
porque vão ver que não sou nenhum Picasso”.
Segundo Dweck, o efeito de comentários desse tipo é
levar quem os recebe a temer a frustração —a sua própria e a dos demais— e,
portanto, não se arriscar em desafios que pareçam intimidadores.
O problema é que outras descobertas recentes da
psicologia indicam que o esforço —ou o que Dweck chama de “mentalidade de
crescimento”— é o grande determinante do bom desempenho.
Não que inteligência e talento sejam dons inúteis. Mas a
garra —aquela força que nos faz levantar após os inevitáveis tombos da vida— é
o que nos faz chegar mais longe, como apontam os estudos de Angela Duckworth
que citei na coluna da semana passada.
Isso pode soar óbvio. Afinal, algumas enquetes mostram
que a maioria de nós tende a concordar que esforço é mais importante do que
talento.
Mas, segundo as pesquisas de Chia-Jung Tsay, o que
pensamos de verdade contradiz o que dizemos sobre esse tema. Em um teste, a
também psicóloga perguntou a especialistas em música se prática era mais
importante do que dom. A maioria disse que sim.
O grupo foi então convidado a ouvir dois pianistas
tocando, sem, porém, vê-los. Um deles lhes foi descrito como alguém com
habilidade inata para a música e o outro como um profissional perseverante.
Por último, Tsay perguntou aos participantes do
experimento qual dos dois músicos teria maior sucesso profissional. O
apresentado como habilidoso foi o escolhido. O que o grupo só veio a saber
depois era que, na verdade, tinha ouvido um mesmo músico se apresentar duas
vezes.
Ou seja, o veredicto que os participantes deveriam ter
feito com base apenas na audição parece ter sido influenciado por sua crença
—após a informação inverídica que receberam— de que talento é o que realmente
importa.
Voltando para a infância, a mensagem desses
pesquisadores é simples: se quisermos ajudar nossas crianças a perseverar,
precisamos primeiro nos convencer da importância disso.
No Brasil, um experimento que vem sendo feito com pais
de alunos de escolas públicas em Petrolina (Pernambuco) e em Jacareí (São
Paulo) mira justamente nessa direção.
Durante três meses, milhares de pais, divididos em dois
grupos por meio de sorteio, receberam mensagens via SMS.
Os textos mandados para metade dos responsáveis
ressaltavam a importância da frequência escolar, davam sugestões de atividades
e apresentavam outros conteúdos nessa linha.
Já as informações enviadas para a outra metade tinham
foco na mentalidade de crescimento, com textos como “não deixe que seu/ua
filho/a desista quando não tiver sucesso”.
Um pequeno teste feito antes do início do experimento
indicava que, em média, as crenças dos pais em relação ao grau de determinismo
na vida eram parecidas.
Mas, ao final do projeto-piloto, 35% dos responsáveis do
primeiro grupo disseram acreditar que, “se seu filho/a tem muita dificuldade em
uma matéria na escola, quer dizer que ele/a não pode se tornar bom nela”. No
segundo grupo, o nível de concordância com essa frase foi menor, de 27%.
Esses resultados são preliminares. A MGov, startup
responsável pelo projeto com apoio da Fundação Lemann, continuará investigando
o tema e, no futuro, deverá ter conclusões mais precisas.
Mas, se eles estiverem corretos, são um alento de que as
coisas podem mudar.
Enquanto
nossas crianças perceberem que celebramos muito mais o talento do que o erro,
será difícil convencê-las sobre a importância de perseverar.
Érica
Fraga - jornalista escreve semanalmente
sobre educação e desenvolvimento econômico.
Fonte:
coluna jornal FSP