Competência não inata em humanos, a
leitura demanda passos sequenciais complexos para o seu aprendizado
Venho
de uma família de leitores, via meus pais com frequência lendo em seu tempo de
lazer. Isso me ajudou a ter na leitura um hábito e fonte de prazer. Ter
frequentado bibliotecas públicas completou minha formação leitora.
Ao
ler a notícia de que o Brasil ainda apresenta índices inaceitáveis no último Pisa em leitura e interpretação de textos, ocorreu-me
que, apesar de esforços em promover a leitura nas escolas, nossa tardia
universalização do acesso ao ensino fundamental e a forma como ainda produzimos
analfabetos funcionais escolarizados têm cobrado um preço alto.
Mas
não são só os que não foram bem alfabetizados e os que vêm de famílias
vulneráveis que não têm o hábito da leitura, contamos infelizmente com elites
não leitoras.
Crianças utilizam tablets em uma escola na França –
Sim,
cada vez se lê mais, mas ler em redes sociais —na maior parte das vezes, só o
conteúdo expresso no tuíte, desprezando os textos a ele acoplados— não torna
a casa em que vivem os jovens mais propícia a estimular a leitura que os
prepara para os desafios do século 21.
A
neurocientista Maryanne Wolf, em seu brilhante livro recentemente
traduzido para o português, “O Cérebro no Mundo Digital”, mostra que a leitura,
uma competência não inata em humanos, como é a fala, demanda passos sequenciais
complexos para o seu aprendizado, o que não fazemos com seriedade, e que seu
desenvolvimento ao longo da vida demanda um foco que o mundo digital, com suas distrações, vem
retirando de nós.
Sim,
pelas recentes pesquisas sobre o cérebro, há que haver intencionalidade
pedagógica e uma abordagem estruturada no processo de alfabetização. Além
disso, a instantaniedade do nosso tempo conspira contra atenção concentrada
necessária à leitura.
Nunca
tivemos tanta informação disponível e nunca foi tão difícil ler para entender o
que o texto diz nas entrelinhas, separar fato de opinião e conectar o que foi
lido com um repertório cultural mais amplo —competências absolutamente
necessárias em tempos de revolução 4.0, em que a inteligência artificial
substitui o trabalho humano que demanda competências intelectuais de nível mais
básico.
Isso,
porém, não ocorre só com obras de não ficção.
Nunca
foi tão urgente ler boa literatura!
Wolf
associa a leitura literária não apenas com a apreciação da arte mas também com
o desenvolvimento de empatia. Grandes obras nos permitem viver a vida de
personagens ficcionais e sentir as suas tensões e os dramas que eles
experimentaram.
Com
isso nos tornamos mais humanos, menos fechados num mundo limitado e mais aptos
a nos abrirmos a um diálogo com quem teve experiências distintas das nossas. E
o mundo precisa muito disso!
Claudia Costin - diretora do Centro de Excelência e Inovação em
Políticas Educacionais, da FGV, e ex-diretora de educação do Banco Mundial.
Fonte: coluna jornal FSP