Uma solução ambiental não tão óbvia
Como alimentar 7 bilhões de pessoas sem prejudicar solos e
mares?
Não desperdiçar água, evitar plásticos, produzir menos lixo e
optar por fontes de energias renováveis são, como se sabe, ações que promovem a
sustentabilidade do planeta.
Mas existem muitas outras que podem ter impacto na
nossa vida. A fertilização biológica de alimentos, por exemplo, é uma delas.
Não é um tema popular, não está na pauta do dia, mas, independentemente da
rotina alimentar de uma pessoa, em algum momento ela vai precisar de alimentos
cultivados com a aplicação de fertilizantes.
O problema é que o aditivo químico
vem desequilibrando a biosfera de forma silenciosa e contínua.
Desde a Revolução Verde, ou seja, a partir da década de 1960, a
produção em massa desses aditivos nitrogenados transformou a agricultura,
proporcionando um colossal aumento na produção de alimentos, sem que
necessariamente se multiplicasse a área plantada.
No entanto, o composto
aplicado ao solo acaba escoando para rios e mares e as consequências podem ser
desastrosas, como ocorre no golfo do México, nos Estados Unidos: do alto já
avistamos a mancha provocada pelo excesso de aditivo, fonte nutricional para
alguns organismos que crescem desenfreadamente e, ao consumir o oxigênio do
ambiente aquático, desencadeiam a morte de outros seres vivos.
O alto custo desses compostos e sua forma de produção, que exige
grande quantidade de gás natural, fonte não renovável, são outros
complicadores.
Sem contar que, depois de aplicados no solo, estes
fertilizantes, quando não penetram os lençóis freáticos, são degradados em
gases de efeito estufa.
O que fazer?
Parar de usar fertilizantes?
Não são eles, porém,
os vilões da história. Fertilizar o solo com nitrogênio é questão de
sobrevivência: como alimentar mais de 7 bilhões de bocas?
Uma solução possível
consiste na transformação do nitrogênio atmosférico em amônia.
Mesmo com toda abundância desse gás, as plantas não o absorvem
diretamente do ar, daí a necessidade da sua conversão, que pode ser biológica,
física ou industrial.
Na biológica, bactérias especializadas fixam o nitrogênio
e o convertem em amônia, transferindo o composto para o solo ou diretamente
para a raiz da planta.
Na física, raios entram em contato com o nitrogênio na
atmosfera, formando nitratos.
Na industrial, emprega-se grande quantidade de
energia natural para produzir os fertilizantes nitrogenados.
O Brasil se beneficia da fixação biológica de nitrogênio nas
culturas de soja há mais de 30 anos.
O caminho molecular das plantas
leguminosas favorece a interação com essas bactérias, os rizóbios, contribuindo
com 50% do nitrogênio utilizado pelas plantas.
Ou seja, no Brasil, 50% de
fertilizante está sendo poupado na soja, fazendo dessa cultura uma das mais
importantes na nossa economia.
Já culturas de gramíneas, como milho, trigo e
arroz, três das cinco mais produzidas no mundo, interagem com outros tipos de
bactérias, as associativas, que, comparadas aos rizóbios, fixam nitrogênio em
menor escala.
Cientistas mundo afora trabalham para melhorar o modo como as
bactérias fixadoras de nitrogênio interagem com essas gramíneas.
Johanna
Döbereiner, microbiologista brasileira, dedicou a vida ao estudo desses
organismos.
Se hoje o país é o maior produtor de soja da América do Sul, ela em
muito contribuiu para isso, graças a suas pesquisas sobre inoculantes bacterianos,
que são alternativas eficientes ao uso intensivo de fertilizantes químicos.
A
produção de cana-de-açúcar, da qual o Brasil é o maior exportador, também se
beneficiou dos resultados de suas pesquisas –essa cultura utiliza até 60% de
seu nitrogênio dos inoculantes.
A forma como nosso alimento é produzido não é sustentável e
precisa se reinventar para dar conta da demanda.
O investimento em ciência e
desenvolvimento de produtos biológicos deve estar na ordem do dia, assim como o
engajamento popular pela substituição do plástico e combustíveis fósseis.
Soluções como essa contribuem para uma agricultura sustentável para as futuras
gerações e precisam se popularizar.
Vânia Pankievicz
- bióloga, pesquisadora e co-fundadora da GoGenetic, empresa de biotecnologia
incubada na Universidade Federal do Paraná.