O prefeito de Londres, o
conservador Boris Johnson, acendeu o pavio ao dizer que as diferenças
socioeconômicas se deviam ao quociente intelectual. “Se falamos de desigualdade
temos que considerar que 16% de nossa espécie tem um QI menor que 85, enquanto
2% estão acima de 130. A igualdade econômica não é possível. A inveja e a cobiça
são indispensáveis para o crescimento”, disse Johnson.
O comentário colocou na defensiva a coalizão governamental conservadora-liberal
democrata. Na segunda-feira, o primeiro ministro David Cameron e seu ministro
de Finanças vieram a público dizer que o governo
quer promover a “igualdade de oportunidades”. O vice-primeiro-ministro liberal
democrata Nick Clegg acusou o prefeito de “elitismo repelente”. Uma colunista,
Suzanne Mooe, o chamou de “Borisconi”, unindo o nome do prefeito ao de Silvio
Berlusconi.
A condenação foi tal que, nesta terça-feira, o próprio Boris Johnson recuou
dizendo que seus comentários foram distorcidos e que ele, na verdade, estava
preocupado com a “enorme desigualdade” existente. Para além da retratação, o
eixo de sua mensagem é similar ao que foi transmitido pela coalizão em seus
três anos de governo: a pobreza ou a riqueza não dependem do privilégio social,
mas sim do indivíduo.
O governo trabalhou com uma mensagem que responsabiliza as qualidades pessoais ou familiares do indivíduo
por sua situação social. Em janeiro, o ministro do Trabalho, Ian Duncan Smith,
ex-líder do Partido Conservador, disse que o principal indicador da pobreza
infantil “não é a renda, mas sim se o pai é viciado em álcool ou drogas”. Por
sua vez, o ministro das Finanças, George Osborne, dividiu os britânicos em
“strivers” (lutadores) e “skivers” (vagabundos) para explicar o desemprego. O
ministro da Educação, Michael Gove, assinalou que o aumento do número de
pessoas que recorrem aos bancos de alimentos (armazéns de organizações de
caridade) se devia ao fato de que as pessoas “tomavam decisões incorretas do
ponto de vista financeiro”.
Esta mensagem repetida à exaustão ficou refletida no uso oficial de palavras da
gíria inglesa como “shirker” (frouxo) e “scrounger” (parasita social). Um
estudo acadêmico do uso desse último adjetivo apontou que “scrounger” foi usado
cerca de 3.500 vezes nos textos jornalísticos em 2012, quase dez vezes mais do
que foi registrado antes do estouro financeiro de 2008. Segundo Owen Jones, autor
de “Chavs, the demonization of the working class”, essa
tática conservadora faz parte do coração ideológico do thatcherismo. “O
objetivo é demonstrar que a pobreza é culpa do indivíduo e não da estrutura
socioeconômica. Ao mesmo tempo, se justifica a riqueza como um fruto da virtude
e da capacidade pessoal”, disse Jones à Carta Maior.
A iniciativa foi bem sucedida. Em janeiro, uma pesquisa da Central de
Trabalhadores mostrou que maioria pensava que 41% do orçamento era gasto em
seguro desemprego (quando a cifra oficial é 3%) e que o nível de fraude no uso
deste seguro era de 27% (a cifra oficial é de 0,7%). Mas essa percepção
distorcida das coisas, alimentada por uma imprensa predominantemente
conservadora, se choca com outras representações pós-estouro financeiro de
2008: a maioria não gosta dos banqueiros, se queixa amargamente do custo de
vida e apoia a nacionalização de alguns serviços como o gás, a eletricidade e
os trens.
Em sua melhor intervenção nos três anos que atua como líder da oposição, o
trabalhista Ed Miliband disse, no final de setembro, que se ganhar as eleições
de 2015 congelará os preços do gás e da eletricidade. O governo tentou
desmoralizar a iniciativa qualificando-a de stalinista, mas teve que recuar nas
últimas semanas ante a realidade: a maioria estava de acordo com Miliband.
“Miliband defendeu a intervenção do estado no mercado. Não é um questionamento
a fundo da lógica neoliberal, mas bastou para criar uma tormenta”, disse à
Carta Maior Paolo Gerbaudo, pesquisador do Kings College.
O próprio governo começou a recuar em sua política de deixar tudo para a “mão
invisível do mercado”. Em outubro se opôs à imposição de limites aos credores
que chegam a cobrar um juro anual de 6.000%; na semana passada indicou que
interviria no mercado. Um dia depois prometeu que interviria no mercado
energético para cortar as tarifas em cerca de 50 libras anuais (80 dólares).
Segundo Chris Huhne, desiludido ex-ministro de Energia da coalizão, esta será a
estratégia daqui até as eleições de maio de 2015. “Trata-se de roubar qualquer
política popular. Não importa que Miliband tenha pensado nestas iniciativas
antes. Como governo, eles têm o poder de concretizá-las. É o grande problema do
trabalhismo e a grande oportunidade da coalizão”, escreveu Huhne no The
Guardian.
Marcelo Justo – jornalista da BBC News, em Londres
Tradução: Marco
Aurélio Weissheimer
Fonte: site controversia