Determinados
conceitos nos chamam a atenção, outros quando não desapercebidos nos passam
despercebidos e em algumas situações do cotidiano determinados conceitos são
inseridos em contextos favorecidos pela multidisciplinaridade.
E esta
possibilidade de interseção entre diferentes teorias foi plenamente vivenciada
no VI Evento Mercer Gama de Previdência Complementar – EGPC, tendo como título:
O novo modelo de acúmulo de riquezas e de geração de renda na aposentadoria,
realizado em Brasília no último dia 26 de outubro, que contribuiu para emersão
do contexto das ciências aplicadas ao negócio da previdência complementar, o
sujeito que se aposenta. Assim mesmo, em destaque, pois o fato é histórico
por ter sido a primeira vez que se evidenciou sob a discussão das engenharias
atuariais e financeiras, alicerçadas nas inferências da expectativa de vida e
fluxo de pagamento, a pessoa que se aposentada.
As
controvérsias para o equacionamento entre as variáveis: receitas
previdenciárias, despesas previdenciárias, taxa de juros no longo prazo, e
aumento da expectativa de vida dos participantes dos planos de benefícios,
favoreceram a apresentação do conceito de bem-estar financeiro do sujeito ao
longo de sua trajetória de consumo, ou seja, desde o primeiro emprego passando
pelo período de acumulação e chegando ao benefício da aposentaria.
O bem-estar
financeiro não só incorpora a definição positivista do fluxo de caixa, objeto
de estudo da educação financeira, como também lança âncora na compreensão da
subjetividade do sujeito que consome e contribui para um plano de benefício,
tendo como expectativa a manutenção de seu consumo em data futura que será
custeada pela renda da aposentadoria.
Antes de
aprofundar a análise do conceito de bem-estar financeiro, o qual incorpora a
definição da educação financeira, penso ser necessário trazer à baila o
entendimento de bem-estar pela Organização Mundial da Saúde – OMS, onde o
equilíbrio entre o físico, o social e o mental alicerçam o espaço de
deliberação epistemológica da saúde.
O equilíbrio
destas três variáveis cristaliza a definição de saúde como um recurso para o
cotidiano do sujeito ao longo de sua vida financeira. Entretanto, por detrás da
fachada concreta do bem-estar aparente, esconde-se o mal-estar, o sofrimento do
sujeito e a normalidade sofrente, assim denominada pelo psicanalista Francês
Christophe Dejours.
E é no aspecto
psicológico que podemos agregar uma das principais contribuições do VI EGPC ao
evidenciar, no painel que leva o título do evento, o bem-estar financeiro como
ponto de referência para a reflexão de acumulação de riqueza e de geração de
renda na aposentadoria.
À vista disso,
vamos imaginar, apenas para efeito didático, que após a concessão do benefício
de aposentadoria um participante tenha o valor deste benefício menor que o
salário obtido na vida ativa, consequentemente, este novo poder de compra que
se cristaliza exigirá uma reorganização dos gastos deste sujeito, afetando,
portanto, seu bem-estar financeiro que está diretamente relacionado com aquela
renda que recebia na vida produtiva.
Se pensarmos o
consumo como guia de felicidade para este sujeito, esta situação será bem mais
complexa e como consequência provocará o desequilíbrio do bem-estar financeiro,
afetando, por conseguinte, o conceito de saúde da OMS, uma vez que os aspectos
psíquicos estão sendo acometidos.
Este cenário
não é tão esporádico e já existe pesquisas evidenciando o sofrimento psíquico
no período pós aposentadoria em função do bem-estar financeiro. De acordo com o
estudo “hábitos, comportamentos e expectativas da terceira idade”, do SPC
Brasil, 57% do público da terceira idade apesar de eleger a importância de
reservas financeiras para os problemas de saúde imprevistos não possuem
qualquer acúmulo de capital para este fim.
O estudo ainda
evidencia que 32% dos idosos já tiveram o nome incluído em instituição de
proteção ao crédito, 14% não fazem qualquer controle de suas finanças, e 21%
dos que já tiveram o nome sujo não puderam pagar suas dívidas por que
emprestaram o nome a terceiros. Por fim, quando se analisa o número de
inadimplentes percebe-se uma tendência de alta com a inadimplência dos
consumidores acima de 65 anos. Então, como resolver esta questão?
Esta resposta
não está pronta, e não será uniforme por demandar a compreensão da
subjetividade do sujeito que já chegou ou ainda chegará à terceira idade,
independentemente da metodologia adotada; Constituição Federal, Política
Nacional do Idoso ou o Código Penal Brasileiro.
Portanto,
conhecer a massa de participantes de um plano de benefício sob o prisma do
comportamento psíquico-financeiro é a primeira ação na tentativa de se desenhar
o perfil de equilíbrio-financeiro dessa população, e só então almejar por
mudanças dos procedimentos habituais. Perceba que interessante: à medida que o
número de variável cresce a reflexão sobre o participante de um plano de
benefício torna-se plural e complexa.
Esta é uma
ação de conhecimento dos problemas que são invisíveis ao ambiente do trabalho,
mesmo considerando que as consequências vão convergir para a produtividade
desse sujeito em desequilíbrio do bem-estar financeiro. O procedimento de
conhecer o bem-estar financeiro terá mais significância se for desenvolvida
paralelamente as formações das reservas matemáticas, ou seja, uma vez que o
bem-estar demanda análises multidimensionais que pode ser influenciado por
inúmeros fatores, tanto financeiros como não financeiros.
E é neste
ponto que a investigação desses fatores comportamentais possibilitará
identificar no perfil dos participantes, de um plano de benefício, situações
como: compradores compulsivos, descontrole financeiros, desencadeamento de
preocupações financeiras, preocupação com pagamento de dívidas, desconforto com
a situação financeira, insônia, angustia, descontrole emocional, suicídio etc.
Dessa maneira,
o bem-estar financeiro terá maior sentido se construído, praticado e
acompanhado ao longo da vida produtiva do sujeito, e as informações obtidas
nessas investigações, além de cimentar um caminho paralelo as constituições das
reservas matemáticas poderá contribuir para outras ações de equacionamento,
tais como: construção de práticas de convivência financeira ao longo da vida
produtiva, exercício da essência da educação financeira – viver bem o hoje e o
amanhã, adequação dos gastos na vida produtiva, adequação dos aportes ao
plano de benefício em função da expectativa de gasto na terceira idade,
melhoramento do bem-estar no trabalho, aumento da produtividade etc.
Outros estudos
indicam o esgotamento emocional e refletem vivências subjetivas relacionadas ao
bem-estar financeiro, como inutilidade, insegurança e frustração. Ao nos
proporcionar a reflexão sobre o bem-estar financeiro do sujeito que é
participante de um plano de benefício o VI EGPC finca, de forma definitiva, na
gestão dos planos de benefício a necessidade de se pensar a pessoa que compõe a
massa de participantes formadora da reserva matemática.
Paulo Cesar Chagas - Conselheiro da ANCEP,
Doutorando em Psicologia, é Mestre em Ciências Contábeis