Cientistas
às vezes também optam por respostas fáceis, como foi feito com a depressão
décadas atrás
O cérebro é uma coisa engraçada. Adora um problema; não
pode viver sem um. Na falta de assunto, arranja joguinho no celular,
caça-palavras, qualquer coisa para resolver. Mas quando aparece um problema de
verdade, daqueles com várias partes por encaixar, que requer planejamento,
estratégia e perseverança, ele se apega à primeira resposta simples. Pode ser
excesso de peso, dor crônica, nota baixa ou o futuro do país. O impulso é o
mesmo: qual é a solução fácil?
O apelo do simples é tanto que até cientistas sucumbem.
Duas décadas atrás, a depressão parecia ter encontrado mecanismo e remédio na
bancada da farmácia: sua causa era falta de serotonina e isso podia ser
resolvido com Prozac.
Antidepressivo Prozac -
Muita pesquisa mais tarde foi que se entendeu que a
serotonina tem muitas outras ações além de regular o humor. Sim, o Prozac
causa um aumento imediato dos níveis de serotonina, mas isso não tem nada a ver
com o efeito antidepressivo. A depressão, aliás, nem é causada simplesmente
por “falta de serotonina”. Ainda assim, o remédio funciona —apenas não do
jeito que se pensava, nem pela razão que se pensava.
E isso faz perfeito sentido, porque o cérebro é um
sistema complexo, cheio de partes que interagem e mudam umas as outras. Não é a
serotonina que nos deixa felizes, assim como não é dopamina que dá
prazer. São os circuitos sobre os quais elas agem, os caminhos pelo cérebro que
passam a ser mais ou menos trilhados dependendo da sua presença.
A simplificação neurocientífica da vez parece ser o tal
do equilíbrio entre excitação e inibição, tema da reunião de que participei
semana passada. Há tempos que se falava de epilepsia como excesso de
excitação e da ansiedade como falta de inibição, e agora, em parte por
causa de novos exames que permitem detectar no cérebro níveis mais baixos ou
elevados de Gaba ou glutamato do que de costume, distúrbios desde a depressão
ao autismo vêm sendo tratados como simples falta ou excesso desses
transmissores, os quais de fato regulam a atividade dos neurônios —de maneira
geral.
Se Gaba e glutamato são usados pelo cérebro todo,
então mudanças nos seus níveis só podem causar mudanças específicas e
diferentes se ocorrerem em circuitos diferentes. Ou seja: o problema é o
circuito, não é o transmissor.
Descobrir
o circuito comprometido dá trabalho, e alterá-lo, mais ainda. Mas é o que, a
longo prazo, funciona de maneira duradoura, e para todos, ao invés de adotar a
resposta simples e contar com a sorte.
Suzana Herculano-Houzel - neurocientista, professora da UFRJ, autora do livro
"Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor" (ed. Sextante)
Fonte: www.suzanaherculanohouzel.com