Nenhum
sistema governamental está a salvo hoje de ataques hacker.
Na semana passada, o STJ (Superior Tribunal de Justiça)
foi vítima de um ataque hacker. Essa ação paralisou os servidores do tribunal, tornando inacessíveis processos digitalizados, emails e outros sistemas internos.
Ao menos 12 mil processos foram atingidos diretamente.
O nome desse ataque é "ransomware". O neologismo
mistura a palavra ransom ("resgate") com ware (de software). O
programa cumpre o que o nome promete. Uma vez que ele entra no sistema
corporativo de uma organização, ele criptografa todos os dados que estão
armazenados nos computadores e servidores daquela rede, tornando-os
inacessíveis. Os dados na maioria dos casos continuam lá, mas são
"embaralhados", e a chave para desembaralhar fica nas mãos do
atacante.
Esse atacante passa então a pedir resgate para restaurar
tudo. O valor usualmente gira entre US$ 1 milhão e US$ 6 milhões, a serem pagos
em moedas virtuais, como bitcoin ou monero. Os atacantes criam também um canal
de atendimento com os atacados, uma espécie de "call center". Nesse
canal eles tiram dúvidas, mandam amostras de como os dados podem ser
recuperados. Ou ainda ensinam o atacado a fazer transferência em moedas
virtuais, se ele tiver dificuldades sobre isso.
Esse canal costuma ser mais eficiente e prestativo do
que os call centers das empresas no Brasil, com os hackers sempre educados,
atenciosos e pacientes, respondendo a tudo na hora.
Como advogado, já atendi muitas vítimas desse tipo de
caso. A recomendação é jamais pagar o resgate nem ter nenhum contato ou
negociação com os atacantes.
Pagar o resgate pode ter consequências legais, podendo
inclusive configurar crime de fraude processual. Além disso, esse tipo de
ataque pode gerar violações à Lei Geral de Proteção de Dados, especialmente com
relação às medidas de cibersegurança e quando há vazamento de dados.
Em geral, o ataque acontece por meio de um simples email
enviado para um funcionário da organização. O funcionário clica em um link ou
arquivo no email (que usualmente oferece uma promoção) e então abre as portas
para que todo o sistema seja infectado. Para ter uma ideia, mais de 121 milhões
de ataques de ransonware foram registrados no primeiro semestre de 2020. Há uma
epidemia em curso.
O que fazer para prevenir? É preciso uma série de
providências. A primeira é ter a questão da cibersegurança como prioritária,
especialmente no setor público. Há anos o país negligencia essa questão. O
Brasil está em 70º lugar no ranking global de cibersergurança e em 6º na
América Latina, atrás do Paraguai.
A segunda questão é pensar na arquitetura dos dados. No
caso do Judiciário, é fundamental que os dados públicos possam ser armazenados
em múltiplas plataformas, públicas e privadas. Essa é a concretização do
princípio da publicidade constitucional em tempos de internet.
Outro ponto é construir redes robustas que tornem a vida
dos atacantes mais difícil: manter sistemas atualizados e adotar arquiteturas
de rede de "zero trust" e soluções similares.
Desta vez foi o STJ, mas o fato é que nenhum
sistema governamental, incluindo de serviços essenciais no Brasil, está a salvo
hoje desse tipo de ação.
Ronaldo
Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
Fonte:
coluna jornal FSP