Nas
últimas décadas a internet alterou profundamente os padrões de vida, de
trabalho, de educação, de participação política e, sobretudo, o modo como
interagimos. A internet mostrou ser um grande motor de mudanças, muitas vezes
disruptivas. Com mais de 3 bilhões de usuários no mundo, e com a perspectiva de
ter de lidar com vários bilhões adicionais de usuários e dispositivos nos
próximos anos, a internet é considerada hoje uma tecnologia de uso geral, um
elemento básico e essencial na vida de quase todos os cidadãos e um
componente-chave na economia e nos governos dos países. Segundo um estudo
recente da empresa de consultoria Boston Consulting Group, a contribuição da
internet para o PIB dos países desenvolvidos varia entre 5% e 9%.
Mas o
outro lado da moeda apresenta seus desafios, que incluem ameaças de crimes
cibernéticos, ataques à liberdade de expressão e aos direitos humanos, invasão
de privacidade, espionagem, disputas jurídicas transnacionais, conflitos
cibernéticos entre países e concentração de mercado e riquezas em algumas
poucas empresas e países. Muitas dessas questões estão relacionadas à
governança global da internet – expressão usada para descrever os arranjos que
organizam as funções e os recursos da rede mundial, de modo a garantir seu
correto funcionamento em qualquer parte do mundo. Por causa de sua natureza
descentralizada e multissetorial, envolvendo governos, empresas, sociedade
civil, comunidades acadêmica e tecnológica, a internet não pode ser regulada
somente em nível nacional. Revelações recentes de vigilância, monitoramento e
espionagem em larga escala reduziram a confiança no atual sistema de
governança. Assim, é necessário propor mudanças ao modelo existente,
excessivamente centrado nos Estados Unidos.
Dentro
dessa perspectiva, em discurso proferido na Assembleia das Nações Unidas em
setembro de 2013, a presidenta Dilma Rousseff propôs a discussão de novas
regras para a governança e o funcionamento da internet. Várias ações
internacionais subsequentes apontam na mesma direção.
Em
comunicado divulgado em 12 de fevereiro, a União Europeia reforçou o pedido
para que o modelo atual seja modificado, tornando a Web mais aberta, global e
multissetorial. Por sua vez, o governo dos Estados Unidos anunciou, no último
dia 14, que vai abrir mão do papel de supervisão do sistema de domínios, que
formam a estrutura básica da internet, passando-o para um grupo internacional
cujas estrutura e administração serão definidas pela comunidade global ao longo
do próximo ano.
Nesse
cenário, os próximos dois anos serão cruciais para redesenhar o mapa global de
governança da internet. Por várias razões, o Brasil situa-se em posição central
para contribuir e influenciar na formulação dos princípios e mecanismos que vão
orientar a internet do futuro. O Comitê Gestor da Internet (CGI.br) brasileiro
funciona há quase 20 anos, seguindo um modelo de governança multissetorial,
aberto e transparente, com a participação efetiva de sociedade civil, empresas,
academia e governo. Esse arranjo tem sido reconhecido internacionalmente como
avançado e apropriado para a internet global.
Processo
de revisão
Com a
aprovação do Marco Civil no Congresso Nacional, o Brasil chama a atenção da
comunidade internacional para o avanço de suas propostas e pela maneira
colaborativa de sua construção do projeto do Marco Civil. Além disso, o Brasil
é uma das nações com maior número de usuários da internet – mais de 100 milhões
– e em especial nas redes sociais. A condição de país em desenvolvimento impõe
ao Brasil uma sensibilidade especial para entender temas particularmente caros
às nações de mesmo perfil socioeconômico, como acesso, inclusão e
desenvolvimento social no contexto das tecnologias digitais.
Em
prosseguimento à proposta da presidenta Dilma Rousseff, está em preparação a
NETmundial, conferência multissetorial organizada para discutir princípios e
propostas para o futuro da governança da internet. A reunião ocorrerá nos dias
23 e 24 deste mês, em São Paulo, e será transmitida ao vivo para o mundo
inteiro, permitindo também diversas formas de participação remota. Esperam-se
mais de 800 participantes, representando todos os setores envolvidos.
O
encontro é organizado pela parceria entre o CGI e a /1Net – uma plataforma
global para todos os interessados em contribuir para o aperfeiçoamento da
governança da internet. O processo de preparação é multissetorial e envolve
múltiplos setores da sociedade. Essa é a essência do modelo multissetorial. É o
que podemos chamar de construção coletiva, em que todos os setores contribuem.
Isso faz parte da essência da internet, que é um fenômeno único, global e
extremamente inovativo que marca a sociedade contemporânea.
A
organização da NETmundial recebeu 188 propostas para os temas centrais da
conferência, vindas de 46 países. As temáticas mais presentes nas propostas
para o futuro da internet estão relacionadas a segurança na rede, proteção à
privacidade, garantia da liberdade de expressão, papel dos governos na
governança da internet, garantia de acesso universal e neutralidade de rede.
Além das contribuições vindas do mundo inteiro, quase 900 pessoas de 79 países
diferentes, representando empresas, organizações não governamentais,
universidades e governos, solicitaram inscrição para participar da NETmundial.
A
NETmundial busca obter resultados concretos para o futuro da governança da
internet. Os dois dias em São Paulo são o início de um processo de revisão da
governança global da internet, que é vital para o fortalecimento do ciberespaço
e para o desenvolvimento social e econômico de todas as nações.
Virgilio A. F. Almeida - secretário de política de
informática do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e coordenador do
comitê gestor da internet no Brasil
Fonte: jornal Estado de S.Paulo