Mentol faz você pensar que está tudo bem


Estimulação em nariz entupido pode trazer alívio imediato, ainda que seja impressão pura

É uma simples questão de astrofísica: enquanto o hemisfério sul está aí torrando, estamos enrolados em agasalhos nos EUA, mesmo aqui em Nashville, tecnicamente na parte meridional do país. Resultado: época de resfriados, gripes e sinusite, sobretudo para quem cresceu nos trópicos como eu. Meu cérebro ama o frio, mas meu nariz, garganta e pulmões pedem para ficar em casa no quentinho.

Em vão: janeiro é o primeiro mês do semestre acadêmico aqui por essas bandas, e claro que os vírus fazem a festa. Com 60 alunos em sala, o revezamento de quem está doente cada semana é inevitável. Não demorou para chegar minha vez.

Por conta de uma arritmia cardíaca, me habituei a não usar remédio de nariz do tipo que é de fato remédio, e não apenas sal diluído na medida certa. Os que “desentopem” o nariz fazem isso com moléculas parentes da adrenalina do próprio corpo, que aceleram o coração e aumentam a pressão arterial ao contrair os vasos sanguíneos inflamados —justamente o que reduz o edema que bloqueia as vias nasais. Funcionam lindamente, mas hesito em usar.

nasais. Funcionam lindamente, mas hesito em usar.


Cabeça de uma mulher com seu lenço, de Julie de Graag (1877-1924) –

 

Até  meu marido, asmático e fã de respirar bem, me ver fazendo força para inspirar, e vir me convencer, se exibindo com inalações exageradas deliciosamente desimpedidas: “você vai ficar aí se arrastando, ou vai fazer alguma coisa do seu dia?”.

Vou fazer alguma coisa, começando por espirrar descongestionante em cada narina. Um fogo frio me sobe instantaneamente pelos calabouços do crânio até o alto da cabeça, queimando tudo feito wasabi de restaurante japonês na boca de comensal desavisado. Tinha esquecido: o remédio tem mentol.

Mentol é um irritante que age em terminações de nervos normalmente sensíveis a temperaturas baixas. O nervo trigêmeo, que reveste o interior do nariz, é cheio desses receptores sensíveis a frio –e a mentol. Faz sentido: no nariz, é a passagem de ar mais frio do que o corpo que normalmente ativa esses receptores e dá a sensação de conforto respiratório. Como o cérebro não detecta o que exatamente aconteceu e sim o resultado do que aconteceu (a atividade do nervo trigêmeo), tanto faz se o nariz está respirando ar frio ou entupido mas inalando mentol: a sensação é a mesma, de que ar suficiente passa pelo nariz. O alívio é imediato, ainda que impressão pura.

Por isso respirar ar quente do verão tropical é desconfortável e opressivo como a sensação do nariz entupido do resfriado. Nada que uma bala de mentol na boca não resolva, até o remédio de verdade funcionar —ou o verão acabar.

 

Suzana Herculano-Houzel - Bióloga e neurocientista da Universidade Vanderbilt (EUA).

Fonte: coluna jornal FSP

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