Efeito GameStop veio para ficar
Movimento
é abre-alas de um novo modelo muito mais democrático de mercado.
Nas últimas semanas, o mercado de ações foi
sacudido com o que podemos chamar de “efeito GameStop”.
Trata-se da articulação
entre investidores pessoas físicas em fóruns da internet —como o Reddit— para
comprar papéis de empresas com baixo valor de mercado e marcas carismáticas
(como a Blockbuster .
Esse movimento atacou também a posição de fundos
que apostavam contra a valorização desses papéis. Se eles caíam, os fundos
ganhavam. Se subiam, perdiam (e muito).
Esses grupos de investidores fizeram com que vários
papéis se valorizassem mais de 700%, levando pânico aos fundos
que apostavam contra eles.
O movimento não se limitou a ações. A moeda virtual
dogecoin (criada como piada em homenagem ao simpático cachorro Shiba Inu, do
meme Doge) também explodiu.
Na semana passada, foi a vez da prata.
No Brasil, há um
grupo no aplicativo Telegram chamado CPFs do IRB conversando sobre a ação IRB3,
que, após ser especulada violentamente, foi derrubada para um valor irrisório,
no qual permanece desde então.
Esse grupo tem perto de 45 mil membros e tem falado
sobre a “a revolta das sardinhas”, em referência aos investidores pessoas
físicas que acabaram perdendo muito dinheiro no movimento de especulação
sofrido pelo IRB3.
Como entender tudo isso? Como já dizia o brilhante
Doc Searls no manifesto “Cluetrain”: “Mercados são conversas”.
E conversas no
mundo de hoje podem facilmente se articular por meio da internet.
Não por acaso a revista The Economist dedicou sua
capa desta semana para o que chamou de “revolução em Wall Street”. Analisando o
efeito GameStop, a revista preferiu enxergar o lado cheio do copo.
Na visão da publicação, esse tipo de “swarm
trading” (“negócios em enxame”) é sinal de uma mudança muito maior: a fusão
entre as tecnologias financeiras e as tecnologias da informação.
Tudo está
virando uma coisa só, e, mais do que nunca, mercados ilíquidos estão se
convertendo em conversas fluidas.
Para quem acompanha a trajetória da revista, é
especialmente interessante ver como a Economist deu o braço a torcer até mesmo
para o bitcoin, elogiado abertamente no editorial da edição desta semana como
“tendo saído da periferia para se tornar central, com um valor de mercado de
US$ 680 bilhões”.
Há nem tanto tempo assim a revista tratava o bitcoin como
algo próximo a esquema de pirâmide financeira.
Já na sua perspectiva atual, o movimento
simbolizado pela GameStop permitirá cada vez mais tornar ativos ilíquidos em
ativos líquidos (incluindo participações societárias em empresas fechadas e até
propriedade imobiliária).
Tudo vai se dissolver na liquidez e na fluidez
infinita das conversas da internet.
Em outras palavras, tudo irá se
“tokenizar”, inclusive os ativos mais encalhados de Wall Street.
Esse movimento é mesmo revolucionário e pode
inclusive tornar coletiva a propriedade de ativos pequenos ou grandes, de um imóvel
a um liquidificador ou aspirador de pó.
É como se tudo se tornasse informação:
infinitamente divisível, acessível, circulável.
Por isso nem eu nem a Economist achamos que o caso
GameStop seja manipulação do mercado.
Ele é, ao contrário, um abre-alas de um
novo modelo de mercado que está se consolidando. Muito mais democrático.
E,
como sabemos, como em toda democracia funcional, também muito mais turbulento.
Ronaldo
Lemos- sdvogado, diretor do Instituto de
Tecnologia e Sociedade do Rio de Janei
Fonte:
coluna jornal FSP