China cria a primeira regulação para algoritmos
Lei
também trata de fake news e veda manipulação de perfis falsos
Nos últimos anos a União Europeia tem desempenhado
um papel de “superpotência regulatória”. Leis e normas concebidas dentro do
continente europeu acabam sendo adotadas também em outros países.
Um exemplo é a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira, que
reproduziu o modelo europeu. O Brasil não está sozinho nessa decisão. Mais de
100 países também seguiram o caminho europeu.
No entanto, um outro país inusitado está começando
a criar modelos regulatórios para questões de tecnologia que começam a
repercutir globalmente: a China.
Recentemente o país adotou uma lei de proteção
de dados que seguiu o modelo europeu. No entanto, não parou por aí.
O país pegou alguns dos temas que estão em debate
no Ocidente, como antitruste aplicado a empresas de tecnologia, e adotou uma
série de regulações inéditas.
Chegou até a regular a indústria de games,
inclusive o acesso e uso por parte de menores de 18 anos.
No entanto, foi no final de agosto que o país asiático criou seu
conjunto de normas mais originais sobre um tema espinhoso: os algoritmos.
É a
primeira vez que um país trata dos algoritmos de forma abrangente.
O que diz a regulação chinesa? Primeiramente, as normas
aplicam-se “ao uso de tecnologias de recomendação feitas por algoritmos”
incluindo “personalização, rankings, seleção, busca, filtragem, despachos,
tomadas de decisão e outras modalidades de oferta de informação para os
usuários”.
Em termos gerais, os algoritmos devem seguir princípios como
“ética, equidade, justiça, abertura e transparência”.
Além disso, as normas determinam que as empresas de tecnologia
devem tomar especial cuidado ao criar modelos de classificação dos usuários,
não podendo usar informações ou palavras chave que sejam “prejudiciais ou
discriminatórias com relação aos interesses dos usuários”.
Devem também evitar também promover compulsão ou vício no uso
dos serviços.
As normas vedam ainda práticas de discriminação, inclusive de
preço, ao determinar especial cuidado com o “tratamento diferenciado em
práticas comerciais” especialmente se baseado em dados sobre “hábitos e
tendências dos consumidores”.
Outro ponto da regulação é a possibilidade de
inspecionar o funcionamento dos algoritmos, determinando a abertura dos seus
parâmetros de funcionamento em casos específicos.
Outro tema tratado é o trabalho por meio de
algoritmos, como serviços de entrega ou transporte urbano.
O artigo sobre o tema determina que “quando algoritmos forem utilizados para o
despacho de tarefas para trabalhadores, devem considerar a questão do tempo de
trabalho, a forma de alocação do trabalho, a remuneração e o pagamento, além de
assegurar os direitos do trabalhador”.
A regulamentação trata também da questão das fake news e uso de contas falsas ou
automatizadas.
Há uma vedação ao uso de algoritmos para gerenciar
ou manipular contas de usuários ou perfis falsos e para “gerenciar contas
falsas, falsos likes, comentários ou compartilhamentos, manipular trending
topics” e assim por diante.
Veda também usar algoritmos para interferir no
ranking de resultados dos buscadores.
Se esses modelos normativos terão impacto fora do
país asiático, o tempo irá dizer. No entanto, o Ocidente está de olho.
RONALDO LEMOS - Advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.