Incômodo
gerado pelas propostas dos autores ambiciona superar polarização atual
O texto mais provocador deste conturbado ano de 2018 é
um livro de economia. Trata-se do título “Mercados Radicais: Desenraizar o
Capitalismo e a Democracia por uma Sociedade Mais Justa”.
Seus autores são jovens, mas têm bagagem. Um deles é
Eric Posner, professor de direito da universidade de Chicago e filho de Richard
Posner, o mais influente autor do planeta no campo de direito e economia. O
outro é Glen Weyl, acadêmico em Princeton e pesquisador da Microsoft.
O livro é incendiário. Suas propostas não vão ser
implementadas tão cedo. Mas o incômodo gerado por elas ambiciona superar a
polarização paralisante atual.
Cabines de votos nos Estados Unidos -
A premissa é que para destravar o impasse entre mercado
e Estado é preciso reinventar conceitos como propriedade, democracia, trabalho
e sistema financeiro.
Na visão de ambos, toda propriedade é um monopólio, que
gera pesos-mortos inaceitáveis. Por exemplo, alguém que queira construir um
hospital e precisa antes adquirir todas as casas de um quarteirão da cidade
terá seu projeto inviabilizado se um único proprietário se negar a vender ou
pedir um preço exorbitante.
A solução proposta é radicalizar a ideia de propriedade.
Todo dono seria obrigado a declarar o valor pelo qual aceitaria vender seu bem.
Se alguém oferecer aquele valor, a venda seria obrigatória.
Esse valor declarado seria também usado para fins tributários. Quem
autodeclarar valores de venda imensos, terá de pagar também impostos imensos.
Para Posner e Weyl, esse regime deveria ser aplicado
para tudo: bens públicos ou privados, móveis ou imóveis.
Mais radical ainda: deveria ser aplicado para a
democracia e para o mercado de trabalho. Por exemplo, cada pessoa teria de
declarar o valor pelo qual estaria disposta a realizar determinado trabalho.
No caso da democracia, os autores partem da premissa de
que o sistema de “uma pessoa, um voto” leva a decisões deficientes e à tirania
da maioria.
Para resolver isso, cada eleitor receberia anualmente um
estoque de votos. Esses votos seriam então usados para tomada de decisões ou
vendidos.
Se um eleitor se importa muito como uma determinada
questão, pode usar todo seu estoque nela ou comprar mais votos. No entanto, o
custo de cada um é progressivo (o primeiro voto custa 1, o segundo custa 4, o
terceiro custa 9, e assim por diante).
Os autores chamam esse sistema de “votação quadrática”.
A ideia é que os votos sejam direcionados individualmente de acordo com sua
real importância para cada pessoa.
As ideias de Posner e Weyl podem parecer delírios. Duras
são as críticas que vêm recebendo. No entanto, já conseguiram capturar a
atenção de uma comunidade influente: os desenvolvedores de blockchain. Essa
comunidade acredita que a tecnologia do blockchain é o caminho para concretizar
tudo que os autores propõem. A ver.
Curiosamente o livro de Posner e Weyl foi inspirado por
uma viagem que ambos fizeram ao Rio de Janeiro, onde viram como a distribuição
de propriedades é desigual e incontornável. Não sei quantas caipirinhas tomaram
nessa viagem, mas o resultado é uma obra essencial para pensar os dilemas
contemporâneos
Ronaldo
Lemos - advogado, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte:
coluna jornal FSP